domingo, 17 de fevereiro de 2013

O Futuro de uma ilusão

Foi justamente durante a festa profana, estabelecida pelo calendário católico, que o Papa Bento XVI tornou pública a sua renúncia. Confesso que recebi tal notícia com certa inquietude. É certo que Bento não dispunha do mesmo carisma que João Paulo II e enfrentava um momento conturbado de sua Igreja_ uma série de escândalos vem abalando a imagem e a reputação da mesma. Freud, em o Futuro de uma ilusão, já nos apontava o fracasso da religião e dá fé em um Deus suposto onisciente e onipresente diante do desamparo como condição humana. O desejo por um pai presente, forte e protetor decorre de uma ameaça e sentimento infantil. O monoteísmo Judaico-Cristão seria a síntese, ou mesmo, a forma mais completa de se constituir esse Deus/Pai_ Um Pai Todo Amor. Lacan diferentemente afirmara o triunfo da religião, a verdadeira religião Judaico-Cristã, em detrimento das ciências. A verdadeira religião ofereceria, segundo ele, respostas e saídas imaginárias para as inquietações do homem. A religião propõe um mundo que se organiza e funciona em torno da figura de um Deus onipresente. As ciências, ao contrário, se ocupariam com o real, com “aquilo que não funciona”. Talvez, isso nos soasse como provocação: o que a psicanálise poderia formular e fazer operar frente aos impasses de “um real que não cessa de não se inscrever” _ o imundo? O Papa Bento XVI, ao repetir um ato ocorrido pela última vez há seiscentos anos, nos recoloca diante de um desamparo. Estamos sozinhos e imersos em nossas pretensões narcisistas. Ele revela em seu último discurso uma hipocrisia religiosa. A Igreja estaria desfigurada por suas divisões que ferem a sua unidade. Bento fala do triunfo da individualidade e da rivalidade, alega predominar as ambições pessoais, o desejo por poder, aplausos e aprovação. A Igreja esbarrou ainda em questões complexas como o controle de natalidade, o uso de preservativos e o casamento gay; ainda, nas denúncias de pedofilia e abusos sexuais cometidos por seus sacerdotes. O Deus Todo Amor foraclui a dimensão sexual do desejo do pai. A transmissão da lei como o legado de um pai porta a dimensão real de seu desejo, o sexual atravessado por um impossível ou, de forma freudiana, pela castração. Se essa castração paterna está foracluída na figura desse Deus Todo Amor, o que se pode esperar? Lacan e Freud viam na religião uma proteção contra o real, contra aquilo que não funciona. Freud não tinha quanto à religião esperanças, Lacan, como eu, sofreu forte influência dos Beneditinos, uma Ordem muito rigorosa e forte entre os católicos. Seu irmão era um monge formado nas tradições da citada Ordem constituída, coincidência ou não, pelo eremita e santo: São Bento. Mas, Lacan não se tornou um monge. Foi solitário em certos momentos, sendo levado por isso a convidar os seus ouvintes a encontrá-lo no deserto. Lacan, ao radicalizar a descoberta freudiana, contribuí com sua invenção, o Real. Há um ingovernável no mundo, no sexual. Bento XVI, ao renunciar, ratifica o declínio e a fissura da unidade da Igreja Católica. Será? Tanto menos pelo próprio Cristianismo em si, que porta princípios e valores cruciais a sustentação da Igreja que ele visa resgatar. Então, seria mais pelas vicissitudes decorrentes do convívio com a imagem e com os símbolos ostentados pela Igreja Romana: poder; ganância e riqueza. A visita ao Vaticano me provocou afetos bem ambíguos. O belo representado na arte dedicada a Deus, à história e passagens bíblicas pintadas por grandes artistas. A Capela Sistina é uma das coisas mais incríveis criadas pelo homem. Ao mesmo tempo, toda aquela riqueza ali guardada me oprimia, me deixava tão afastado do que é mundano, da condição humana. A rachadura detectada na Igreja de Pedro tem levado uma multidão de ávidos e alienados pela fé cega às igrejas oportunistas. Aqui no Brasil, esse fenômeno é facilmente observável. O que estamos em condições de oferecer como alternativas à servidão e a cegueira que submetem fiéis à autoridade e poder de sujeitos como Silas Malafaia? Não quero discutir em termos da boa ou da má religião, pois todas elas operam velando o real e o ingovernável da vida psíquica. O que a psicanálise oferece como alternativa ao sofrimento? Essa é a discussão que deve estar à frente de nossos títulos e créditos. 14/02/2013

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