domingo, 19 de agosto de 2012

Da beira do caminho ao fundo do coração

Um filme que fala de dor, perda, esperança e tendo como motivação canções de Roberto poderia cair numa estrada perigosa de sentimentalismo exagerado ou piegas. Breno Silveira já havia acertado na medida no blockbuster “Filhos de Francisco” e agora, será que iria errar a mão? Acontece que ele filma com autenticidade, é fiel a sua estética: beleza, sensibilidade e honestidade são ingredientes que em sua mão fazem um ótimo caldo. E as canções de Roberto? Elas fazem o filme acontecer. As letras de Roberto Carlos nos levam diretamente para o que há de mais exemplar do imaginário cultural e romântico desse nosso imenso Brasil. As músicas de Roberto têm a capacidade de fundar, de inventar, em nossos corações um romance, um novo caso ou um novo amor. É ouvir e ficar apaixonado. Tiro e queda. Cafona? Também é às vezes. Mas na maioria das ocasiões uma tradução do arquétipo amoroso brasileiro. Eu fiquei emocionado desde a primeira cena, aquele caminhão na aridez da paisagem e a música de Roberto, sei lá! Um lance de dar nó na garganta. João Miguel é João o caminhoneiro, e tantos outros brasileiros chamados João, um lindo nome! João Miguel, com atuação magnífica e a generosidade de um grande ator que é, nos oferece um João brasileiríssimo pelas estradas desse gigante país. Um homem que leva consigo pela estrada sentimentos confusos: dor da perda, culpa e remorso, ressentimento e paixão. João foge de si mesmo, daquilo que não pôde suportar de sua divisão entre dois amores. João, como quase todos os homens, esteve dividido entre a mulher que amava e aquela que desejava (Helena e Rosa, quem resiste a esses nomes?). Ou amava e desejava as duas alternadamente, essas coisas que enlouquecem a psicologia amorosa de um homem como ele, como todos nós. Sim, João é um homem tipicamente brasileiro: virilidade, paixão, dúvidas, infidelidade e infantilidade. Um menino que se abandona ao ver-se abandonado por seu destino cruel e fatal. A divisão a lhe cobrar sua dívida daquele jeito: ter uma em seus braços, enquanto a outra tem a vida ceifada numa curva da estrada. João não pôde enfrentar o seu pecado e cai na desgraça de sua dor a fugir pelo mundo: ele e seu único CD de Roberto. Contudo, o menino desamparado que carrega consigo lhe aparece no meio do nada, à beira do caminho. Duda encarna aquilo do que João foge. O que é a atuação de Vinicius Nascimento? Lindíssima e comovente maturidade de um ator de treze anos. Duda é João ainda adolescente, sou eu ou você. Duda a pegar o caminho e a estrada do mundo sem pai nem mãe. Assim nos encontramos muitas vezes, a orfandade do sujeito na sua condição desejante. Duda não tem nada, apenas um único desejo: encontrar o pai. Aí está toda a esperança: há um pai. Ele está muito longe, em São Paulo. Perto de Duda está João, aquele menino homem abandonado de si mesmo. Não quero contar mais nada do filme, é suficiente. Ressalto o brilho da participação de Dira Paes. Gostaria de voltar à ousadia de Breno Silveira. Mais especificamente à honestidade de seu fazer cinema. Silveira nos leva à dor de uma perda, dor que tão bem ele conhece. Faz acompanhar essa dor de esperança. Ele nos leva por paisagens diversas, alternando o árido, o feio, a beira da estrada, a beleza e simplicidade poética de algumas fotografias. Ele nos lembra de que somos brasileiros, de Petrolina, Juazeiro até São Paulo_ terra das desesperanças, das esperanças, quanto contraste e contradição! Breno Silveira nos oferece a possibilidade de pensar sobre coisas que deixamos pelo caminho: pessoas queridas, histórias, paixões, pecados, culpas e desejos. Num país de tantos brasileiros órfãos, sem filiação na certidão de nascimento (quantos nem chegam a ter a certidão?), ele nos alenta com uma bela história de como um filho funda um pai a partir de seu desejo, sua falta. E, ainda, nos dá a esperança de que um luto seja possível. Vamos com as canções de Roberto, da beira do caminho ao fundo do coração. 10/08/12