sábado, 2 de fevereiro de 2013

Mostrar as curvas sim, mas sem perder a elegância

Ontem, saí do consultório por volta das cinco da tarde para um rápido lanche. Percebi a proximidade do Carnaval nas calçadas de Ipanema. Muitos turistas, moças belas com saídas, cangas e biquínis; rapazes malhados, com ou sem camisetas, na companhia de outros rapazes sarados e músculos expostos. A agitação e a sensualidade anunciavam com certa antecedência a festa profana, antes mesmo de sua abertura pelo Rei Momo. Mais um Carnaval! Haverá algo diferente? É comum se dizer que no Brasil o ano só começa depois da Quarta-feira de Cinzas. Lembrei-me imediatamente de uma animada conversa travada, durante a Festa de Natal, entre mim, um primo mais jovem e sua animada esposa. Ela manifestava seu desejo de participar, nem que fosse num só dia, do carnaval de rua: blocos, bandas e coretos. Ele, contrariado, reclamava da bagunça, da sujeira e do odor de urina que o impedem de circular entre o Leblon e Ipanema durante a folia. Tentando socorrer ou defender o anseio da jovem esposa, argumentei que a manifestação popular era histórica e culturalmente legítima, portanto, gozava do direito de tolerância ou até de exceção contra os direitos privados. Ponderei que havia certa incompatibilidade entre o carnaval e a Ordem Pública. Meu primo refutou tecnicamente minha tese. Eu adorei aquilo e dei boas risadas. Foi muito agradável. Por gozar de certa respeitabilidade como primo mais velho, saí com a promessa de que ele, mesmo contrariado, levaria sua carnavalesca esposa a um bloco. Apesar do respeito, ele me dirigiu palavras nada amistosas. Mas tudo com muito amor! Apesar de defender a folia, a multidão e o imenso bloco de bagunça, barulho e lixo que acompanha a festa popular, cabem-me, aqui, algumas observações. A força popular e rítmica do samba é contagiante e própria de nossa terra; temos, ainda, uma incompreensível vocação para a alegria; de quebra, somos orgulhosos de nossos dotes e qualidades. Durante o Carnaval, não tem pobre nem rico, nem moços ou velhos_ tudo se mistura. Entretanto, certo senso crítico é necessário. Detrás da alegria e do orgulho pode haver um complexo de inferioridade. Afinal, vendemos um produto que, muitas vezes, não nos traz boa reputação. Há no Brasil um turismo sexual e “exótico”. Muitos vêm procurar aqui aquilo que é banido ou rejeitado em seus lugares de origem: prostituição; subserviência; miséria; violência; macaco e selva. Como se chegassem motivados pela propaganda negativa: “No Brasil, se pode tudo, é uma esculhambação”. E o pior é que parecemos, de fato, nos identificar com isso, o tal “jeitinho brasileiro”. Todos ganham o seu tostão, porém, quando a folia acaba os problemas crônicos de nossas cidades continuam. Não quero falar contra o Carnaval, há uma irresistível vocação popular, artística e criativa em nossa festa profana. Há algo de genuíno ou autêntico: “Não se aprende o samba no colégio”. Ele está no sangue, na veia, e se expressa quando a festa começa, quando os tambores arcaicos rufam em nossos corações. Isso é muito bacana, a identidade simbólica de um povo. Mas, por favor, não vamos confundir manifestação popular com baixaria; sensualidade com o expor “os fundilhos”; brincar e pular o carnaval com vandalismo e descaso pela Coisa Pública. Não sejamos os primeiros a jogar contra o patrimônio. Não se enganem com as autoridades, eles não estão nem aí, choque de ordem é perfumaria. O que eles querem é encher os próprios bolsos. Nós é que devemos ser bons, alegres e elegantes anfitriões. “Não estamos com a bunda exposta na janela pra passar a mão nela” _ como cantava Gonzaguinha. Não vamos vender nossa dignidade e riqueza a preço de banana. Ou somos, afinal, a República das Bananas? O Carnaval não é dos bêbados, viciados, marginais, putas e viados, senão de cidadãos que podem exercer sua liberdade, alegria e diferenças de uma maneira brasileiramente digna. O Rio de Janeiro tem uma linda silhueta, vamos mostrar as curvas, mas não precisamos apelar para o desespero ou sentimento de inferioridade. O samba e o carnaval são patrimônios nacionais. Vamos valorizar essa riqueza. Eu termino apelando ao poeta: “Vamos fazer um carnaval legal Sambar é nossa tradição É bom se segurar que a Mangueira vem aí” Fui. 02/02/2013

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