O Lago dos Cisnes de Tchaikovsky está para o balé, assim como Hamlet de Shakespeare está para o teatro. Obras que desafiam atores e bailarinos na difícil arte de conciliar o belo com a tragédia humana. Este é o ofício do artista, sublimar o trágico da experiência humana. O filme de Darren Aronofsky é imperdível, pois transporta o clássico para um tempo da cultura politicamente correta da reciclagem. A condição trágica da existência humana é tema desde os gregos. Muitos tentam pasteurizar o filme de Aronofsky reduzindo a fita à cena de lesbianismo que é bela e excitante, porém muito angustiante para ser meramente erótica.
Nina (Natalie Portman) é uma jovem bailarina obcecada pelo papel principal e pela oportunidade de atingir a perfeição. Para isso deverá interpretar o duplo papel do cisne branco e do cisne negro. A “menina meiga”, assim nomeada pelo ódio de sua mãe, é muito técnica, não deixa seus instintos dominarem seus movimentos. Se a trama se passa entre dois cisnes gêmeos (branco e negro), Nina também encontra seu duplo, Lily (Mila Kunis). Ela é fisgada e arrebatada pela imagem da outra ainda no vagão do Metrô.
Nina é uma ótima e dedicada bailarina, mas desconhece seu sexo, não sabe nada sobre seu desejo, pois é devastada pelo olhar e controle onipresente de sua mãe. O balé é até certo momento sua dívida com a genitora, uma bailarina medíocre que alega ter abandonado a dança para cuidar da filha. Nina busca realizar A bailarina. Sua referência é Betty, a grande estrela da companhia, mas verá a mesma sucumbir à devastação. Ao conhecer Lily, fica fascinada por algo que não pode reconhecer em si mesma. Estabelece com ela uma relação absolutamente especular, paranóica e erotômana. Nina é arrebatada pela figura onipresente de Lily.
O diretor da companhia (Vincent Cassel) é o personagem que alimenta a rivalidade dual entre as bailarinas na medida em que elas disputam o seu reconhecimento. Ele sabe provocá-las com isso, aliás, nisto consiste o próprio enredo da trama de O Lago dos Cisnes, a cobiça e disputa pelo objeto amoroso. Ele pede a Nina aquilo que ela não pode lhe dar, ele pede mais e mais, no sentido mesmo de um gozo o qual ela desconhece. Ele a conduz aos limites do que sua mente e seu corpo podem suportar.
Nina está presa ao corpo da bailarina como a menina vive no corpo do cisne. Aronofsky, em seu olhar de diretor, nos faz testemunhar o nascimento da personagem, arrancado do corpo da bailarina, contudo não apenas isto. Ele também nos escancara a condição terrível de Nina, ela está submetida em seu corpo ao olhar voraz e gozo da mãe, ela é um objeto da mãe. Lily, seu duplo especular, lhe permite vislumbrar outra possibilidade, entretanto, Nina em sua luta mortal com o Outro, vive tal situação na lógica paranóica: ou ela me ama ou ela me odeia. Tem a certeza de que todos os gestos de Lily estão referidos ela.
Nina faz suplência ao mestre. Porém, a atitude do diretor é perversa, ele também a coloca a serviço de seu gozo. Sem saída, ela encontra no suicídio do cisne seu próprio fim, o desempenho perfeito para a morte, por não poder saber sobre seu sexo e seu desejo, só lhe resta responder em ato.
Aí está a loucura, a estética do olhar e a ousadia de Aronofsky, numa inesquecível e brilhante interpretação de Natalie Portman.
05/02/2011
05/02/2011
A arte cinematográfica é sensacional! filmes como esses são como Oásis na selva de pedra. Boa análise!
ResponderExcluirDesculpa não respondido antes, você tem toda razão, bendito sejam os filmes que nos façam pensar.
ResponderExcluirAbs,
Abílio