quarta-feira, 13 de março de 2013

A loucura ou a Dama Real: estigma e arte

O jornal é meu amigo das manhãs, é com ele que quebro a rotina solitária de meu ofício. Além do mais, suas edições diárias me dão a sensação necessária de pertencimento e de localização temporal. Lendo suas páginas me reconheço como alguém situado em certo lugar e contexto. O problema é encarar as manchetes rotineiras sobre tragédias provocadas pela violência e brutalidade tão comuns. O Brasil é o oitavo país mais violento do mundo, não só colaboramos com seus altos índices como somos omissos diante dos números de mortes decorrentes de tal estado de coisas. Mas, ontem, o Segundo Caderno de O Globo deslocou a minha atenção para o assunto que anuncio no título, trata-se da relação entre a loucura e a arte. Quem não ouviu falar de Camille Claudel? Muitos se lembram dela como a amante louca de Auguste Rodin. Entretanto, Camille rompeu com o estabelecido para os padrões da época, pois não era comum que mulheres seguissem carreira nas artes, ela é um raríssimo caso de escultora que teve seu trabalho reconhecido. Ela pagou com o preço do estigma da loucura. Uma mulher que num dado momento foi invadida por pensamentos persecutórios tendo como figura central o seu amante: delírios de perseguição decorrentes de um amor de perdição, de uma paixão arrebatadora e erotômana por Rodin, O Mestre. As mãos que esculpiram obras como La valse (A Valsa) e L’Âge Mûr (A Idade Madura) revelam, no entanto, algo que se constrói apesar de ou pela própria loucura que busca se expressar, resultando numa bela obra. Esculturas cuja visão provoca um turbilhão de sensações impressionantes no espectador. Quem já foi ao Museu Rodin ou ao d’Orsay sabe do que estou falando. Camille não se tornou uma artista reconhecida apenas porque pretendia sê-lo, mas por modelar com suas mãos a matéria amorfa de toda sua dor e sofrimento decorrentes de seu amor de perdição, transformando o bruto em belo. Um desejo indestrutível a libertava em sua arte e, ao mesmo tempo, a alienava em sua paixão ao Mestre-Amante. Sua arte e seu delírio talvez tenham sido tentativas distintas de se separar. Felizmente, sua obra transcende ao estigma e aos trintas anos de exclusão, reclusão ou clausura. A artista não pode poupar a mulher devastada pela visita da Dama Real. Somos sempre atraiçoados pela proximidade das damas advindas do real: a morte e a loucura. A loucura e a morte não poupam o lúcido nem o precavido, talvez elas os escolham primeiro. A loucura, antes de possuir Camille, lhe deu a chance de expressar seu sofrimento, sua dor e sua bela obra. Talvez, não tenha sido a loucura que a confinou, mas o estigma. Mais além de sua história familiar e da paixão devastadora, Camille encontrou em seu olhar profundo e em suas mãos penetrantes um meio de erguer sua obra. A loucura, Dama Real, não a condenou ao estigma, senão que a permitiu a dignidade e beleza de sua eterna arte. Contudo, arrastou a mulher perdida de amor para o deserto do real inapreensível. As suas esculturas, por isso, até hoje nos provocam o fascínio e o estranho de sentir nosso familiar vazio: “Há sempre algo de ausente que me atormenta (Camille Claudel)”. Rio, 12/03/2013.

Um comentário:

  1. CONVITE
    Passei por aqui lendo, e, em visita ao seu blog.
    Eu também tenho um, só que muito simples.
    Estou lhe convidando a visitar-me, e, se possível seguirmos juntos por eles, e, com eles. Sempre gostei de escrever, expor as minhas idéias e compartilhar com as pessoas, independente da classe Social, do Credo Religioso, da Opção Sexual, ou, da Etnia.
    Para mim, o que vai interessar é o nosso intercâmbio de idéias, e, de pensamentos.
    Estou lá, no meu Espaço Simplório, esperando por você.
    E, eu, já estou Seguindo o seu blog.
    Força, Paz, Amizade e Alegria
    Para você, um abraço do Brasil.
    www.josemariacosta.com

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