quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Um Havaí sem surf

            Já quis ser John Malkovich, agora gostaria de ser George Clooney. Ele me devolve certa esperança de que a vida de um homem pode ser interessante depois dos cinquenta (estou quase lá). Ele é talentoso, rico (mora numa mansão no Lago de Como, Itália), bonito, charmoso e... Como vou dizer isso? Bem, “pegador”. Clooney não se reduz a sua boa imagem, é hoje mais do que o médico galã de Plantão Médico. Ele se revelou um bom diretor e ator, é inclusive um forte candidato ao Oscar 2012.
            Adorei Os Descendentes (direção de Alexander Payne), classificado como comédia dramática é uma ótima opção para aqueles que se divertem rindo e chorando ao mesmo tempo, devorando baldes de pipocas (isso eu não posso, meu colesterol não deixa). Nem tudo é possível aos (quase) cinquenta! Contudo, fiquem tranquilos, o filme não é um dramalhão. Todos com quem conversei concordam com isso.
            Começo justificando que meu recorte é insuficiente para abordar todos os elementos da trama. Quanto à questão do título do filme, tive que deixar de fora considerações sobre a origem do personagem principal e as suas relações com a linhagem de descendentes masculinos em torno da rica herança deixada pela tataravó. Privilegiei outra vertente, mais especificamente: o que o citado personagem deixará para as suas filhas?
            Matt King (Clooney) é um advogado bem sucedido, um cara que junta tudo o que ganha, apesar de ser herdeiro de uma fortuna, não surfa e nem acha o Havaí um paraíso. Em suma, um tremendo de um obsessivo. Ele é um cara mortificado, se assim posso defini-lo. Está inerte, provavelmente como sempre esteve, mas agora diante da esposa também inerte num coma profundo. O médico lhe diz que já não há mais nada a fazer por ela, era o desejo dela que sua vida não fosse prolongada daquela maneira. Elizabeth tinha nos esportes radicais e na adrenalina seus antídotos contra uma vida adormecida. Acidentes acontecem, ela sabia disso, então deixou sua vontade por escrito.
            Matt, ao contrário, poderia passar a vida inteira ali, esperando a esposa dar algum sinal de um despertar. Matt é um guardião da morte, como os obsessivos costumam ser. É incrível, mas se ninguém viesse lhe dar um choque de realidade, ele ficaria ali para sempre. É ele quem precisa sair do coma.
            Há algo, porém, que poderá ajudá-lo. Matt não sabe, o que já é um bom começo, ele não sabe o que fazer com suas duas filhas. Elas estão bem vivas, dão muito trabalho. Ele não sabe o principal: o fato de que é amado por elas. O que ele fez para merecer isso? Não é tão fácil descobrir, dado que ele está imerso na culpa e na inércia quanto ao seu desejo.
            É assim que entra em cena uma personagem fundamental, Alexandra (a ótima Shailene Woodley), a filha mais velha de Matt King. Ela intervém da posição que nós, psicanalistas, definimos como histérica. O que isso quer dizer? Ela denuncia a impotência do pai, ela o provoca na tentativa de fazê-lo trabalhar como mestre pela questão que é a dela, a saber: o que o Outro deseja? Para isso revela ao pai que sua mãe o traía com outro homem. Essa menina não sabia disso por acaso. Ela é danadinha! Ela consegue um bom resultado com isso. Pela primeira vez Matt reage como alguém cujo sangue pulsa nas veias. Alexandra coloca entre ela e o pai um rapazinho que tem uma função pontual. Ela oferece ao pai um rival na medida. Ela também sabe que, pelas condições apresentadas pelo genitor, ele não suportaria nada maior e melhor do que um adolescente.
            Todavia, Matt e o rapazinho protagonizam uma cena muito interessante. O adulto convoca o adolescente a apresentar suas insígnias fálicas. O jovenzinho não se faz de rogado: _ “Jogo bem xadrez, toco guitarra e tenho erva”. Dá ainda um pequeno testemunho de como está se virando com a morte recente do pai morto num acidente de trânsito ao dirigir bêbado.
Disse-lhes que Alexandra está numa posição histérica, o que é diferente de afirmar que ela é uma histérica devastada. Longe disso. Ela percebe que o pai está em apuros: impotente, atrapalhado. Quem sabe querendo dar uma chance para ele ou por seu desejo de saber, ela o instiga na direção do amante da mãe, ela realmente parece querer saber algo sobre isso. O pai no lugar do corno a interroga, desnecessário dizer, inconscientemente. Muito embora o desejo de Matt (o pai), há tempos, já o traísse deitando com a morte.
O desfecho poderia ser patético, porém Matt lança mão de seu único recurso, justamente aquele que permitiu que suas filhas o amassem. Mesmo depois do fracasso do casamento, apesar de saber da traição da esposa, de realizar que tudo o que viveu com ela se concluía naquele desfecho, Matt não recuou, não dissimulou, não traiu o amor que finalmente descobria sentir por Elizabeth. O que ele revelou para as filhas naquele momento? Que um homem não é um completo idiota quando assume o seu amor, ainda que faltoso e impossível, por aquela a quem fez sua esposa. O ideal do amor fracassa para todos, mas o desejo empenhado e a perda imposta no luto daquele homem revelou o vestígio do que é possível frente ao impossível da realização do casal conjugal para os filhos. Ao sair de seu coma profundo, Matt pôde, enfim, encarar suas filhas.
Vale conferir!
15/02/2012

2 comentários:

  1. Confesso que não estava com a mínima vontade de ver o filme, achei que fosse mais um hollywoodiano sem sal, sem pulsão! Porém, após ler esse texto, vou correndo me deleitar! Parabéns, Aline Oliveira

    ResponderExcluir