quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Um momento delicado entre pais e filhos

O final do ano letivo traz muitas alegrias e a sensação de dever cumprido para alguns, angústias e decepções para tantos outros pais e filhos. Depois do investimento financeiro e muitas preocupações, os pais esperam pelos melhores resultados escolares. Quanto às crianças e adolescentes, eles podem finalmente respirar aliviados ou carregar todo o fardo do mundo: o da reprovação. Quando um pai ou uma mãe faz uma aposta alta no filho, o que na verdade ele espera satisfazer? Qual sucesso ou fracasso está em jogo?
 O que você vai ser quando crescer? Essa questão que atormenta um sujeito desde muito cedo é decorrente dos anseios e das expectativas dos pais. É necessário que haja investimento ou um voto amoroso lançado na direção da criança. Entretanto, ele não pode ser mortificante. Os filhos são, geralmente, investidos dos projetos narcísicos que fracassaram com seus pais. Mas, alguma coisa precisa ir além do amor devorador dos devotados genitores.
Vivemos num mundo cada vez mais competitivo e individualista. Todo esforço feito no sentido do coletivo tem como meta o sucesso pessoal e as gratificações monetárias pelo bom desempenho: proatividade e eficiência bem remunerada. Assim, “meu filho tem que me devolver cada centavo suado investido nele”. A escolha por uma boa escola se tornou um grande negócio para a empresa familiar. E, desta maneia, nós analistas acabamos por testemunhar as consequências ou os resultados decorrentes desses riscos corridos ou, ainda, as cobranças e sintomas que se apresentam nesse imbróglio.
Do que estamos nos esquecendo? Somos hoje tão indivíduos quanto amebas se reproduzindo assexuadamente em série. Digo o modelo disseminando pelos ideais americanos de individualismo e sucesso: self made man. Será que não incluímos mais a diferença?
Steve Jobs é o primeiro grande ícone deste novo século. A sua biografia tem sido citada constantemente como fonte de inspiração para milhares de jovens em todos os continentes. Jobs não nasceu de uma reprodução assexuada, ele teve uma história. Ele foi adotado e recusou em vida a moeda de troca de sua rejeição, vocês sabem: o acesso ou ingresso na universidade. Não nascem muitos Jobs(s) com frequência, ele foi sem dúvida um caso recente de excepcionalidade; sua vida, no entanto, nos dá a ver que o sujeito é o resultado daquilo que fez com as suas condições de origem. Quero dizer, que um sujeito deve fazer valer sua pequena margem de liberdade.
A pequena margem de liberdade é o que pode fazer a diferença entre a dívida eterna devida ao sacrifício dos pais e a possibilidade do sujeito se apropriar do que lhe foi votado como signo de amor, fazendo incluir aí seu desejo. Então, não é sem os pais, contudo, não é eternamente para eles. Essa pequena margem de liberdade conjuga criatividade, implicação e limite. Penso na maneira como um sujeito pode avançar mesmo com suas faltas. O acesso ao mundo simbólico cobra na entrada uma renúncia. É vedado o gozo ilimitado. Esse mesmo gozo ao qual teimamos em não renunciar enquanto pais. Quando compro um celular ou computador de última geração para minha filha de dez anos, por exemplo, quem eu estou gratificando? É para ela ou para meu gozo narcísico ao dotá-la de uma insígnia de valor que recobre minha falta?
É nesta mesma linha que se estabelece um sistema de premiações e punições. Um jogo muitas vezes perverso em que os pais franqueiam o gozo ou impingem a culpa de acordo com seus interesses mais íntimos. Contabilizar e apontar o valor total gasto em dinheiro em algum tipo de investimento educativo é, da mesma maneira, um recurso a ser posto em questão. Pois a ênfase é dada na quantia que se tornará dívida impagável, e não no voto sem garantia em que o pai empenha seu desejo sob risco. Seria melhor se pudéssemos dizer: “eu acredito que tu possas usar isso a favor do teu desejo, dos projetos que traças para tua vida”. O investimento dos pais é uma via de acesso ao desejo, não o fim.
Ah! E as tais responsabilidades do sujeito? Sim, devemos falar sobre elas. Será necessário renunciar às satisfações mais imediatas, investir numa escolha por um longo período, perseverar, falhar e insistir. O desejo não é um bem obtido por mérito, senão um constante movimento no sentido de uma escolha. O acesso ao desejo é sempre não todo, há um resto que resta como causa para o sujeito. As frustrações reclamadas através de buscas imediatas de compensação deverão ser tomadas como privações e limites que se colocam no caminho, nem tudo é possível. O sujeito deve se responsabilizar por seus riscos.
O fim do ano letivo é um momento delicado entre pais e filhos.  O momento de concluir evoca o instante de olhar e o tempo para compreender. Onde há angústia há também certa pressa. Essa pressa pode nos precipitar em passagens ao ato, digo tanto nos pais quanto nos filhos. É um momento para que se possa escutar, fazer uma leitura do que ocorreu. O que está dando certo? O que não funcionou como o esperado? O que precisa mudar? O que meu filho pode dizer sobre isso? Tais perguntas exigem um tempo de elaboração.
Boas Festas e Feliz Ano Novo
Abílio Luiz Ribeiro Alves

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