tag:blogger.com,1999:blog-83957457705892661072024-03-08T12:06:54.411-08:00Café com LetrasLiteratura, Cinema e AtualidadesAbílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.comBlogger25125tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-22014050014356009782013-03-13T07:18:00.002-07:002013-03-13T07:18:52.958-07:00A loucura ou a Dama Real: estigma e arteO jornal é meu amigo das manhãs, é com ele que quebro a rotina solitária de meu ofício. Além do mais, suas edições diárias me dão a sensação necessária de pertencimento e de localização temporal. Lendo suas páginas me reconheço como alguém situado em certo lugar e contexto. O problema é encarar as manchetes rotineiras sobre tragédias provocadas pela violência e brutalidade tão comuns. O Brasil é o oitavo país mais violento do mundo, não só colaboramos com seus altos índices como somos omissos diante dos números de mortes decorrentes de tal estado de coisas.
Mas, ontem, o Segundo Caderno de O Globo deslocou a minha atenção para o assunto que anuncio no título, trata-se da relação entre a loucura e a arte. Quem não ouviu falar de Camille Claudel? Muitos se lembram dela como a amante louca de Auguste Rodin. Entretanto, Camille rompeu com o estabelecido para os padrões da época, pois não era comum que mulheres seguissem carreira nas artes, ela é um raríssimo caso de escultora que teve seu trabalho reconhecido. Ela pagou com o preço do estigma da loucura. Uma mulher que num dado momento foi invadida por pensamentos persecutórios tendo como figura central o seu amante: delírios de perseguição decorrentes de um amor de perdição, de uma paixão arrebatadora e erotômana por Rodin, O Mestre.
As mãos que esculpiram obras como La valse (A Valsa) e L’Âge Mûr (A Idade Madura) revelam, no entanto, algo que se constrói apesar de ou pela própria loucura que busca se expressar, resultando numa bela obra. Esculturas cuja visão provoca um turbilhão de sensações impressionantes no espectador. Quem já foi ao Museu Rodin ou ao d’Orsay sabe do que estou falando. Camille não se tornou uma artista reconhecida apenas porque pretendia sê-lo, mas por modelar com suas mãos a matéria amorfa de toda sua dor e sofrimento decorrentes de seu amor de perdição, transformando o bruto em belo. Um desejo indestrutível a libertava em sua arte e, ao mesmo tempo, a alienava em sua paixão ao Mestre-Amante. Sua arte e seu delírio talvez tenham sido tentativas distintas de se separar. Felizmente, sua obra transcende ao estigma e aos trintas anos de exclusão, reclusão ou clausura. A artista não pode poupar a mulher devastada pela visita da Dama Real.
Somos sempre atraiçoados pela proximidade das damas advindas do real: a morte e a loucura. A loucura e a morte não poupam o lúcido nem o precavido, talvez elas os escolham primeiro. A loucura, antes de possuir Camille, lhe deu a chance de expressar seu sofrimento, sua dor e sua bela obra. Talvez, não tenha sido a loucura que a confinou, mas o estigma.
Mais além de sua história familiar e da paixão devastadora, Camille encontrou em seu olhar profundo e em suas mãos penetrantes um meio de erguer sua obra. A loucura, Dama Real, não a condenou ao estigma, senão que a permitiu a dignidade e beleza de sua eterna arte. Contudo, arrastou a mulher perdida de amor para o deserto do real inapreensível. As suas esculturas, por isso, até hoje nos provocam o fascínio e o estranho de sentir nosso familiar vazio: “Há sempre algo de ausente que me atormenta (Camille Claudel)”.
Rio, 12/03/2013.
Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-85018929236530591772013-03-05T18:55:00.003-08:002013-03-05T18:55:29.719-08:00Pornografia e erotismoEscrevi recentemente sobre a Sick-Lit ou a Literatura enferma cujos protagonistas são adolescentes deprimidos, suicidas, anoréxicos e etc. Ontem, no Segundo Caderno de O Globo, o autor do recém-celebrado Barba ensopada de sangue, Daniel Galera, nos indicou o romance da canadense Tamara Faith Berger: Maidenhead (inédito no Brasil). O romance gira em torno da submissão sexual de Myra, uma jovem de dezesseis anos, fascinada por Eliajah, um músico africano bem mais velho. Galera cita Bataille e Sade, mas dá destaque para a pornografia engajada da atriz Sasha Grey.
Eu não gostaria de reproduzir a coluna de Galera. O objetivo desse pequeno comentário é dividir com vocês uma questão suscitada por minha leitura em articulação com o que chamei, em meu último texto, de uma literatura comercial erótica: qual a fronteira entre pornografia e erotismo? Nem sempre foi evidente esse limite.
A internet tratou de separar definitivamente esses campos. Muitos garotos não tiveram a sorte de folhear as famosas e picantes revistas suecas ou dinamarquesas nos Anos 70. Hoje, a pornografia disponível na rede para o onanismo privado e desenfreado faz todo o esforço dos meninos daquela geração parecer uma piada. A pornografia hoje está associada ao uso, comércio e franquia de imagens e filmes de sexo e nudez explícitos (seria o caso de um pleonasmo? Tenho dúvidas).
Galera fala de uma pornografia engajada em Sasha Grey, pois ela vê o pornô como ato político. O romance de Berger, segundo Galera, toca na questão das diferenças, segregações e conflitos. O colunista não põe esta obra, definitivamente não, dentro da categoria de livros comerciais eróticos. Contudo, o relaciona ao paradigma de Grey, a atriz político-pornô. Permanecemos, assim, próximos dos paradigmas do pornográfico. E o erotismo? Qual a fronteira entre pornografia e erotismo_ repito?
O erotismo presente desde muito cedo nas obras de arte não se reduz à representação ou reprodução da cena da cópula, do ato ou do sexo. O erotismo não se reduz ao explícito, mas, ao contrário, àquilo que não se dá a ver, ao que se insinua ou ao enigmático. A erótica de Freud afirma-se dessa maneira. Ele jamais reduziu a subjetividade à mecânica do sexo. Freud ousadamente nos interroga sobre o sexual: do que goza o sujeito? Ele introduz a dimensão fundamental da fantasia.
O erotismo talvez não interrogue o onanista, entretanto, interroga o espectador de uma obra de arte ou o leitor de um romance. O enigma talvez esteja presente na pornografia e no erotismo, porém, na pornografia está a serviço do uso, do “goza”, no erotismo, sim, o enigma cava um furo sobre o qual será tecida a fantasia.
Outrora, eu tive a sorte de folhear umas revistas suecas, contudo, fui mais afortunado ao me surpreender com um não saber, com o enigma sobre o sexual.
05/03/2013
Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-77025685086021766492013-03-05T18:53:00.001-08:002013-03-05T18:53:26.558-08:00Letras enfermas: por que não?O segundo Caderno de O Globo do dia 21/02 trouxe uma interessante matéria sobre o sucesso da Sick- Lit (Literatura Enferma). Depois dos vampiros, lobisomens, fadas, duendes e hobbits entram em cena jovens suicidas, deprimidos ou acometidos por doenças terminais; ainda,adolescentes anoréxicos e automutilados. Histórias e livros que estão fazendo a festa de vendas das editoras. O mesmo acontece no cinema com a adaptação desses dramas para as telas. Entre os diversos títulos destacam-se “A culpa é das estrelas” (Editora Intrínseca) de John Green e “As vantagens de ser invisível” (Editora Rocco) de Stephen Chbosky.
É interessante como esse fenômeno vem na contramão da euforia ou mania das redes sociais que parecem revelar a vida intensa, colorida e alegre dos jovens. Os adolescentes se gabam de listas enormes de amigos. As fotos no Instagram revelam invariavelmente gente bonita, de bem com a vida, fazendo coisas interessantes. O que há, então, por detrás das redes sociais?
As companhias e multidões do mundo virtual parecem encobrir, em muitos casos, a solidão e angústia de um adolescente. Um jovem geralmente é só em seu sofrimento, ele tem vergonha ou não sabe como expressar seus sentimentos diante de impasses, conflitos e desafios. “O despertar da primavera” traz consigo não só o colorido e o prazer das novas descobertas, mas o pesadelo do real, das experiências inéditas e angustiantes de um garoto ou garota: convocações sociais; iniciação sexual e contato com álcool e drogas. O tema da morte é, de repente, ligado ao sexo. A experiência sexual evoca a morte, pois o gozo obtido se revela breve e inapreensível. O paraíso prometido ou esperado não se realiza.
Essa matéria sobre a Sick-Lit me remeteu ao caso de alguns adolescentes que escuto em análise ocupados com textos constituídos por eles mesmos cujos temas estão associados à literatura noir. Justamente nessa semana, um deles me relatou estar debruçado sobre um conto em que o personagem principal, sem saber, estava envolvido com uma garota com dupla personalidade. A trama trata de uma série de eventos estranhos, angustiantes e perversamente eróticos que envolvem o triângulo amoroso composto, no entanto, por dois personagens: o rapaz e a moça de dupla personalidade. Ele expressou seu desejo de que tal história pudesse fazer parte de uma publicação sobre contos fantásticos ou de suspense, organizados sob o título: Noites, cigarros e cervejas. Caso ele venha realmente a publicá-lo no futuro, quem sabe o avisarei que cometi uma quebra de pacto de sigilo argumentando, no entanto, que meus motivos não eram fúteis. Mas não importa, a função analista não dura para sempre.
Essa minha digressão é para concordar com o ponto de vista do colega psicanalista Luiz Fernando Gallego que não atribui a essa modalidade literária a responsabilidade por desfechos nefastos. Afirma ele: “O que um livro pode fazer é antecipar um sentimento que já está lá dentro da pessoa. Mas o livro não é a causa de uma depressão”. Penso que a chamada literatura enferma permita que jovens possam encontrar maneiras de significar e expressar sentimentos desconhecidos, invasivos e tão intimamente ligados à ideia da morte.
Não se trata de advogar pela qualidade literária dessas obras, mas de reconhecer sua função. Vejamos o exemplo dos livros de teor perverso e erótico que estão fazendo tanto sucesso nas prateleiras das livrarias. O que chega a minha clínica é que, apesar dos clichês de narrativa e da qualidade questionável dos textos, eles estão mexendo com as fantasias e comportamentos dos casais. Essas histórias recheadas de cenas e situações picantes, excitantemente perversas, acabam por reintroduzir os casais nas suas questões e dificuldades sexuais. Em muitos casos, eles reaproximaram homens e mulheres adormecidas e indiferentes. O sexual voltou à cena para a perplexidade de sujeitos que não ousavam mais fantasiar com seu parceiro ou parceira. Um analisando me confidenciou jocosamente que a leitura da esposa trouxe ótimas consequências para ele que não leu uma página se quer. Esse é um aspecto interessante dessa literatura de consumo e entretenimento. Não é um remédio para tudo ou para todos, mas concorre certamente com pílulas para dor de cabeça.
As letras enfermas permitem uma identificação do jovem leitor com esses personagens tão diferentes das redes sociais, pois os depressivos, os anoréxicos, os automutilados são os excluídos, habitam um submundo a parte. Contudo, em algum momento de solidão, qualquer adolescente pode sentir na própria pele esses afetos mórbidos e estranhos.
Essa modalidade de literatura pode não ser o fim, mas o meio pelo qual um jovem consiga pedir ajuda. Talvez, uma maneira de perceber que sua angústia e sofrimento vividos solitariamente e de modo particular decorrem de situações e contextos compartilhados com outros jovens. Então, por que não? Que as letras enfermas possam ser tomadas por aqueles que busquem não sucumbir às dores da alma e à morte precoce. Se hoje, no mundo virtual, navegar é preciso, viver é uma escolha que inclui o real. Nesse sentido, o imaginário e o simbólico presentes nas histórias dão suporte ao que se precipita na carne, corpo ou pele de um jovem. Quem sabe aí a letra não mais se represente enferma, senão como marca da falta que funda o desejo?
05/03/13Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-10738462104206536352013-02-17T09:23:00.000-08:002013-02-17T09:23:03.265-08:00O Futuro de uma ilusãoFoi justamente durante a festa profana, estabelecida pelo calendário católico, que o Papa Bento XVI tornou pública a sua renúncia. Confesso que recebi tal notícia com certa inquietude. É certo que Bento não dispunha do mesmo carisma que João Paulo II e enfrentava um momento conturbado de sua Igreja_ uma série de escândalos vem abalando a imagem e a reputação da mesma.
Freud, em o Futuro de uma ilusão, já nos apontava o fracasso da religião e dá fé em um Deus suposto onisciente e onipresente diante do desamparo como condição humana. O desejo por um pai presente, forte e protetor decorre de uma ameaça e sentimento infantil. O monoteísmo Judaico-Cristão seria a síntese, ou mesmo, a forma mais completa de se constituir esse Deus/Pai_ Um Pai Todo Amor.
Lacan diferentemente afirmara o triunfo da religião, a verdadeira religião Judaico-Cristã, em detrimento das ciências. A verdadeira religião ofereceria, segundo ele, respostas e saídas imaginárias para as inquietações do homem. A religião propõe um mundo que se organiza e funciona em torno da figura de um Deus onipresente. As ciências, ao contrário, se ocupariam com o real, com “aquilo que não funciona”. Talvez, isso nos soasse como provocação: o que a psicanálise poderia formular e fazer operar frente aos impasses de “um real que não cessa de não se inscrever” _ o imundo?
O Papa Bento XVI, ao repetir um ato ocorrido pela última vez há seiscentos anos, nos recoloca diante de um desamparo. Estamos sozinhos e imersos em nossas pretensões narcisistas. Ele revela em seu último discurso uma hipocrisia religiosa. A Igreja estaria desfigurada por suas divisões que ferem a sua unidade. Bento fala do triunfo da individualidade e da rivalidade, alega predominar as ambições pessoais, o desejo por poder, aplausos e aprovação.
A Igreja esbarrou ainda em questões complexas como o controle de natalidade, o uso de preservativos e o casamento gay; ainda, nas denúncias de pedofilia e abusos sexuais cometidos por seus sacerdotes.
O Deus Todo Amor foraclui a dimensão sexual do desejo do pai. A transmissão da lei como o legado de um pai porta a dimensão real de seu desejo, o sexual atravessado por um impossível ou, de forma freudiana, pela castração. Se essa castração paterna está foracluída na figura desse Deus Todo Amor, o que se pode esperar? Lacan e Freud viam na religião uma proteção contra o real, contra aquilo que não funciona. Freud não tinha quanto à religião esperanças, Lacan, como eu, sofreu forte influência dos Beneditinos, uma Ordem muito rigorosa e forte entre os católicos. Seu irmão era um monge formado nas tradições da citada Ordem constituída, coincidência ou não, pelo eremita e santo: São Bento.
Mas, Lacan não se tornou um monge. Foi solitário em certos momentos, sendo levado por isso a convidar os seus ouvintes a encontrá-lo no deserto. Lacan, ao radicalizar a descoberta freudiana, contribuí com sua invenção, o Real. Há um ingovernável no mundo, no sexual.
Bento XVI, ao renunciar, ratifica o declínio e a fissura da unidade da Igreja Católica. Será? Tanto menos pelo próprio Cristianismo em si, que porta princípios e valores cruciais a sustentação da Igreja que ele visa resgatar. Então, seria mais pelas vicissitudes decorrentes do convívio com a imagem e com os símbolos ostentados pela Igreja Romana: poder; ganância e riqueza. A visita ao Vaticano me provocou afetos bem ambíguos. O belo representado na arte dedicada a Deus, à história e passagens bíblicas pintadas por grandes artistas. A Capela Sistina é uma das coisas mais incríveis criadas pelo homem. Ao mesmo tempo, toda aquela riqueza ali guardada me oprimia, me deixava tão afastado do que é mundano, da condição humana.
A rachadura detectada na Igreja de Pedro tem levado uma multidão de ávidos e alienados pela fé cega às igrejas oportunistas. Aqui no Brasil, esse fenômeno é facilmente observável. O que estamos em condições de oferecer como alternativas à servidão e a cegueira que submetem fiéis à autoridade e poder de sujeitos como Silas Malafaia?
Não quero discutir em termos da boa ou da má religião, pois todas elas operam velando o real e o ingovernável da vida psíquica. O que a psicanálise oferece como alternativa ao sofrimento? Essa é a discussão que deve estar à frente de nossos títulos e créditos.
14/02/2013
Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-31263052574764897032013-02-07T16:57:00.000-08:002013-02-07T17:01:37.798-08:00O amor nos limites da vida“O corpo é o cárcere da alma”, afirmavam os gregos. É improvável que os jovens gastem tempo refletindo sobre isso. A energia, potência, vigor, agilidade dão a eles a sensação de que vestem uma máquina ilimitada em recursos. Além do mais, seus dedos e olhos viajam por uma realidade virtual sem fim. Seus sentidos, emoções e raciocínio alcançam velocidades fabulosas. Quem pode ver problema na juventude?
Finalmente, consegui chegar a tempo de assistir à única sessão diária de Amor, o filme inquietante de Michael Haneke. Depois de uma abertura que já anunciava o que estaria por vir, a câmera se projeta sobre uma plateia no interior de um grande teatro. Por alguma razão que me escapou, fui invadido por um mal-estar. Levei minha mão direita ao pulso esquerdo, mas meus batimentos pareciam normais. Não era por acaso que a trama começava a ser contada daquela maneira, digo: com a câmera naquele plano. O diretor nos incluía definitivamente no ambiente daquela narrativa.
Entretanto, esse não foi o seu único truque. Ele se utilizou, muitas vezes, de um tempo que parecia interminável na apresentação da cena pretendida. O tempo que se arrasta depois da velocidade da juventude. Do mesmo modo que parava a câmera em alguns ângulos e objetos específicos, como o modo de filmar a pia da cozinha cheia de louças, por exemplo. “Os objetos são inertes, têm significado apenas em função da vida de quem os utiliza”, afirma Paul Auster em O inventor da solidão. Haneke nos fazia respirar decididamente o ar daquele ambiente. Só então, descobri o motivo de minha súbita angústia, estava dentro da trama.
Havia ao meu lado um casal que beirava os setenta. O senhor estava muito agitado se mexendo na cadeira, cochichando no ouvido da esposa e rindo nervosamente. Ele me parecia absolutamente identificado ao marido na trama, e eu, pior, me identificava a ele, como se ele me dissesse tal qual o antigo comercial: “Eu sou você amanhã”. O tempo a passar estava me espreitando, aguardando para subitamente me lembrar de que eu já estava velho e era refém de meu débil corpo e agilidade.
O amor é uma loucura. Não há razão no amor. O corpo envelhece, mas o amor enlouquece. Há uma fase em que ele nos rende um bom sintoma, ele nos conduz ao outro, abre a possibilidade de que o sujeito não se baste, que experimente a falta e um desejo que não se reduz a si próprio. Numa boa hipótese, é claro! Depois do que acabo de escrever e empurrar para vocês, um otimismo é o mínimo que lhes posso oferecer.
Há um casal, eles estão a muitos anos juntos, ambos são musicistas. Georges e Anne compartilham a rotina, a cumplicidade de anos e o gosto pela música. A doença de Anne os leva a um derradeiro pacto. Ela o faz prometer que ele não permitirá que ela retorne ao hospital. Ela sabe que ele o fará. Ela talvez não fizesse o mesmo por ele, mas como saber?
O que vamos ver a partir daí é o amor como loucura de dois visando o Um. O amor de Georges é o dois que visa o Um. Não há espaço para terceiros, é permitida a presença limitada de uma enfermeira. Fora isso, é um mundo habitado por duas criaturas nos limites de suas vidas. A existência do casal pesa nos corpos que aprisionam suas almas. Georges e Anne vivem os últimos e sufocantes fôlegos de um louco amor. Quando digo louco é porque quero afirmar que o amor é a desrazão que nega a impossibilidade do Um.
O ato de Georges é uma última prova de amor ou de sua impossibilidade no mais profundo limite da vida? Se eu pensar na pomba que ele liberta após seu ato, posso ver no seu gesto algo libertador. Contudo, se me baseio na pequena história que ele conta para acalmá-la, antes de seu ato, faço outra leitura. Pois é a história de um menino e a insuportável separação de sua mãe. Anne depois disso se tranquiliza, me pareceu, ele, no entanto, se decide quanto ao ato.
Ele não pode salvá-la com seu amor e dedicação. Ela está por um fio, sua vida se esvai. O que ele não suporta? Eu creio que ele precisa dela para viver, e não o contrário. Georges me parece mais dependente, mesmo levando em conta a situação de Anne. Ele, com seu ato, parece lhe ter para sempre.
Sempre é um termo ou modo de driblar o impossível. Os contos de fada terminam invariavelmente com o tal: “E foram felizes para sempre”. Haneke vem nos trazer a loucura do amor neste encontro sempre fadado ao impossível. Os corpos consumidos e deteriorados pelo tempo teimam em aprisionar as almas, as impedindo da liberdade prometida do verdadeiro amor. Amar é um ato insano e necessário. Não há a menor esperança, dois seres não realizam o encontro do Um. Georges com seu ato mumifica o amor, um amor do qual não pode se separar. Ele não, talvez ela sim.
Ressalto, para terminar, as belíssimas interpretações de Emmanuelle Riva e Jean-Louis Trintignant. Vejam o filme.
07\02\13Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-69374520534975852482013-02-02T09:45:00.000-08:002013-02-02T09:45:21.797-08:00Mostrar as curvas sim, mas sem perder a elegânciaOntem, saí do consultório por volta das cinco da tarde para um rápido lanche. Percebi a proximidade do Carnaval nas calçadas de Ipanema. Muitos turistas, moças belas com saídas, cangas e biquínis; rapazes malhados, com ou sem camisetas, na companhia de outros rapazes sarados e músculos expostos. A agitação e a sensualidade anunciavam com certa antecedência a festa profana, antes mesmo de sua abertura pelo Rei Momo. Mais um Carnaval! Haverá algo diferente? É comum se dizer que no Brasil o ano só começa depois da Quarta-feira de Cinzas.
Lembrei-me imediatamente de uma animada conversa travada, durante a Festa de Natal, entre mim, um primo mais jovem e sua animada esposa. Ela manifestava seu desejo de participar, nem que fosse num só dia, do carnaval de rua: blocos, bandas e coretos. Ele, contrariado, reclamava da bagunça, da sujeira e do odor de urina que o impedem de circular entre o Leblon e Ipanema durante a folia. Tentando socorrer ou defender o anseio da jovem esposa, argumentei que a manifestação popular era histórica e culturalmente legítima, portanto, gozava do direito de tolerância ou até de exceção contra os direitos privados. Ponderei que havia certa incompatibilidade entre o carnaval e a Ordem Pública. Meu primo refutou tecnicamente minha tese. Eu adorei aquilo e dei boas risadas. Foi muito agradável. Por gozar de certa respeitabilidade como primo mais velho, saí com a promessa de que ele, mesmo contrariado, levaria sua carnavalesca esposa a um bloco. Apesar do respeito, ele me dirigiu palavras nada amistosas. Mas tudo com muito amor!
Apesar de defender a folia, a multidão e o imenso bloco de bagunça, barulho e lixo que acompanha a festa popular, cabem-me, aqui, algumas observações. A força popular e rítmica do samba é contagiante e própria de nossa terra; temos, ainda, uma incompreensível vocação para a alegria; de quebra, somos orgulhosos de nossos dotes e qualidades. Durante o Carnaval, não tem pobre nem rico, nem moços ou velhos_ tudo se mistura. Entretanto, certo senso crítico é necessário. Detrás da alegria e do orgulho pode haver um complexo de inferioridade. Afinal, vendemos um produto que, muitas vezes, não nos traz boa reputação.
Há no Brasil um turismo sexual e “exótico”. Muitos vêm procurar aqui aquilo que é banido ou rejeitado em seus lugares de origem: prostituição; subserviência; miséria; violência; macaco e selva. Como se chegassem motivados pela propaganda negativa: “No Brasil, se pode tudo, é uma esculhambação”. E o pior é que parecemos, de fato, nos identificar com isso, o tal “jeitinho brasileiro”. Todos ganham o seu tostão, porém, quando a folia acaba os problemas crônicos de nossas cidades continuam.
Não quero falar contra o Carnaval, há uma irresistível vocação popular, artística e criativa em nossa festa profana. Há algo de genuíno ou autêntico: “Não se aprende o samba no colégio”. Ele está no sangue, na veia, e se expressa quando a festa começa, quando os tambores arcaicos rufam em nossos corações. Isso é muito bacana, a identidade simbólica de um povo. Mas, por favor, não vamos confundir manifestação popular com baixaria; sensualidade com o expor “os fundilhos”; brincar e pular o carnaval com vandalismo e descaso pela Coisa Pública. Não sejamos os primeiros a jogar contra o patrimônio. Não se enganem com as autoridades, eles não estão nem aí, choque de ordem é perfumaria. O que eles querem é encher os próprios bolsos. Nós é que devemos ser bons, alegres e elegantes anfitriões. “Não estamos com a bunda exposta na janela pra passar a mão nela” _ como cantava Gonzaguinha. Não vamos vender nossa dignidade e riqueza a preço de banana. Ou somos, afinal, a República das Bananas?
O Carnaval não é dos bêbados, viciados, marginais, putas e viados, senão de cidadãos que podem exercer sua liberdade, alegria e diferenças de uma maneira brasileiramente digna. O Rio de Janeiro tem uma linda silhueta, vamos mostrar as curvas, mas não precisamos apelar para o desespero ou sentimento de inferioridade.
O samba e o carnaval são patrimônios nacionais. Vamos valorizar essa riqueza. Eu termino apelando ao poeta:
“Vamos fazer um carnaval legal
Sambar é nossa tradição
É bom se segurar que a Mangueira vem aí”
Fui.
02/02/2013
Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-91431361031415782472013-01-11T15:16:00.001-08:002013-01-11T15:20:04.587-08:00Aspirinas, antiácidos e Woody Allen Feliz 2013! Andei muito ausente do meu blog, passei os últimos tempos ocupado com um projeto que pretendo fazer sair do papel, pois, finalmente, concluí um romance sobre o qual estive debruçado por muito tempo. Agora é tentar publicá-lo.
Começamos mais um ano. Eu retorno ao blog lhes indicando um filme que desce como remédio de avó, ou seja, sem drogas, seus componentes são simples como um chá de ervas preparado com carinho, porém muito saboroso. Engraçado eu começar pela avó, sofri com a perda da minha durante todo o ano de 2012, agora pude lembrar e falar dela como uma coisa boa que adoça a boca e a vida. Ela está profundamente em meu coração.
Então, e o filme? Ah! Claro! É Paris – Manhattan de Sophie Lellouche. Quando a receita é Paris, Cole Porter e Woody Allen é preciso fazer algo muito ruim para dar errado. Não é o caso de Lellouche, ao contrário, ela é bem hábil nas doses. Uma ótima comédia ao melhor estilo francês. Comece o ano pelo filme, eu o receito, assim como o chá da vovó. Você vai sair com o coração um pouco mais doce. Precisamos de doçura nos dias de hoje. Necessitamos voltar a dar suspiros diante de cenas românticas. Urge que possamos rir de nossas tolas e pequenas bobagens. Rir ainda é o melhor remédio, “mas rir demais é desespero”, por isso “desejo que você tenha a quem amar” _ Obrigado, pela cola, Frejat!
Alice (Alice Taglioni) não é a do País das Maravilhas, não, definitivamente ela não. Ela, babem, tem em seu quarto (no seu mundinho particular) Shakespeare, Cole Porter por Louis Armstrong e um Woody Allen privado. Um pôster na parede que fala com ela, não é o máximo? Alice é uma bela mulher, solteira, farmacêutica e apaixonada pelo diretor e seus filmes. Herdou a farmácia do pai _ um sujeito que se define como uma boa mãe judia. A mãe, propriamente, tem problemas com álcool.
Os pais se preocupam com o fato de que a moça ainda esteja solteira e, também, com a situação do casamento da outra filha. Apesar das loucuras que eles protagonizam, ou até mesmo por isso, são bem normais. A normalidade francesa é bem distinta da americana.
Paris não vai à Manhattan, mas Manhattan vem à Paris. Woody Allen é nova-iorquino, mas é um judeu que conhece a normalidade francesa. Ele sempre soube fazer rir extraindo o melhor da loucura, da neurose cotidiana. O diretor adora a Psicanálise e, por isso, debocha dela de forma muito competente. “Sexo e boa escolha profissional”, diz o Woody Allen particular de Alice a ela mesma, como uma receita freudiana. Alice, por sua vez, não receita calmantes, nem aspirinas ou antiácidos, senão os filmes de seu mestre. Ela acredita que eles possam curar as dores do corpo e da alma. A diretora, Sophie Lellouche, faz em algumas passagens ótimas citações de filmes de Allen.
“Sexo e boa escolha profissional” são, sem dúvida, ótimas receitas, entretanto, sabemos que essas coisas passam pelos desfiladeiros das demandas de amor. Ah! O amor! Os franceses sabem fazer boas coisas com ele, inclusive comédia. Porém, Lellouch homenageia ao mesmo tempo em que convoca Woody Allen e o seu savoir faire sobre o humor. O resultado é uma delícia.
Temos ainda Victor (Patrick Bruel) um personagem crucial na trama. Um sujeito que ganha a vida instalando alarmes e dispositivos de segurança. É um improvável candidato para Alice. Além do mais, ela está saindo com um príncipe encantado. O amor tem suas surpresas e armadilhas. Victor é a cereja do bolo; é a azeitona da empada que dá um ótimo toque na comédia.
Definitivamente, Paris é lindo, o amor é indispensável e cinema fundamental...
11/01/13Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-27058025763957212342012-10-21T05:38:00.003-07:002012-10-21T05:40:16.966-07:00Quando amar é o que brota do lodo do ódioAtire a primeira pedra quem não se envolveu com o final de Avenida Brasil. Vera Holtz fez uma linda corruptela: “Ave Brasil”! A novela de João Emanuel Carneiro realizou uma perfeita síntese desse Rio de Janeiro que passa da primeira década do novo século. A cidade do futuro e das Olimpíadas de 2016 é justamente aquela metaforizada pelo Lixão.
Se há crime, impunidade, negligência e injustiça, João Emanuel Carneiro cria, sobre aquilo que já existe, uma espécie de purgatório por onde vítimas e algozes devem passar. O lixão é real tanto quanto é uma imagem “apoética”, Dali chamaria de método crítico-paranóico. Isso quer dizer que é a própria interpretação da realidade. Uma trama que começa no Lixão pode dar no que?
O ódio funda o amor. Eu só posso me pensar eu, se puder me separar do Outro. Mas, para isso, tenho antes que me reconhecer nele. Logo, de início não há Carminha sem Nina e vice-versa. A história das duas protagonistas apresenta toda sorte de elementos que permitam significados terríveis e abomináveis. Ficamos mesmo tentados a depositar “nesse próximo de mim” todas as razões para minha infelicidade, minha orfandade e desgraça. Carminha veste muito bem a megera. Sempre precisamos de uma: a madrasta da Cinderela, a bruxa da Branca de Neve e Cruela Cruel. Carminha é a mais nova imagem arquetípica de um Brasil abandonado. Sim, porque descobrimos que ela também foi vítima. Somos filhos de uma nação parida, rezava a história, como que “por acaso”. Somos todos bastardos ou mal adotados. Em suma, João Emanuel Carneiro nos deu um nascedouro: o Lixão.
Mas, o artista tem seus métodos. Ele nos guiou por uma trama que pôde nos dar alguma esperança. Um Cadinho que pode amar e casar com três mulheres e, ainda assim, ser fiel a elas; uma periguete que pode ensinar a qualquer mulher como amar seus homens e, incrivelmente, a melhor tradução do macho brasileiro dos dias de hoje: um cara que larga a chupeta para descobrir, enfim, como amar uma mulher (não perder o pênalti). Mas, não se assustem, digo aos conservadores de plantão que é tudo licença poética.
Além do mais, o subúrbio entrou na moda, sobretudo, quando nos ensina a encontrar a alegria espontânea e verdadeira, um retorno à simplicidade que nos livra dos anseios de certas insígnias de poder e valor. A vida pode ser mais simples: Oi Oi Oi.... .
A casa da família Tufão, mais especificamente a mesa de jantar, é o retrato sociológico e antropológico de um Brasil no novo século. O dinheiro muda de mão, as relações arcaicas entre o senhor e o serviçal ganham novas cores, os laços familiares se sustentam no fio da navalha do fracasso. Contudo, ao final de mais um dia, estão todos à mesa. Bebendo, falando alto, um invadindo a vida do outro. João Emanuel Carneiro vai sentir muitas saudades dessa família. Tendo Tufão como o paradigma do brasileiro sempre confiante: “o corno é sempre o último a saber” (por alguma razão me ocorreu a figura de Lula frente ao Mensalão). Todavia, ressaltemos o mérito de sua benevolência que o permitiu ser pai de filhos adotivos. Parabéns Tufão!
Voltemos às protagonistas: Carminha e Nina. Amar não é uma coisa do bem, das melhores intenções. Esse é o amor egoísta, pois o que te peço é que me retribua na mesma moeda. No ódio não é assim, a moeda pode sempre ser outra, a pior. As duas viveram da paixão do ódio, talvez a mais poderosa. Por essa paixão sacrificaram suas vidas, colocaram as melhores coisas em risco. Viajaram até o mais profundo do lodo do ódio. E aí o que encontraram? João Emanuel Carneiro novamente nos deu uma linda lição. Quando ali elas finalmente chegaram, puderam voltar a viver.
O objeto do meu ódio, elas descobriram, não é você, mas o meu mais arcaico sentimento de desamparo. Somos duas mulheres forjadas na origem de nossa desgraça. Dois sujeitos que cedo demais tiveram que se separar do objeto amado, por isso elas eram mais fortes, por isso aguentaram toda a barra que viveram. Carminha e Nina nos ensinam que amar brota do lodo do ódio, o ódio de ver-se desamparada como condição humana. Não há algoz, não há figura maligna que possa justificar minha desgraça, e elas até tiveram motivos em suas histórias. O amar só é possível, depois de sobrevivermos ao ódio de constatarmos que não há Outro culpado de minha infelicidade.
João Emanuel Carneiro nos aponta uma bela possibilidade: Faça o melhor com o quase nada que recebeu. Pare de justificar sua covardia e arrogância em nome daquele que seu ódio narcísico e doentio insiste em fazer consistir. Se assim puder transcender, quem sabe no fim, haverá apenas a diferença?
20/10/2012
Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-55282516336084738532012-10-10T02:53:00.000-07:002012-10-10T02:53:46.016-07:00O que queremos para os nossos filhos?Essa é uma pergunta que nos fazemos quando nos angustiamos com o futuro e a partir do desamparo que experimentamos como sujeitos. Mais um adolescente morre tão precocemente, seria possível evitar essa tragédia? Isso jamais se saberá. O que não nos exime de refletir sobre as razões que levam um jovem a viver os limites do que é suportável.
Haverá hoje uma educação pautada nos resultados, no desempenho ou na adequação, que subtraia a singularidade de uma existência? Somos o que desejamos ser ou o que devemos apresentar como sucesso? Sim, vivemos numa sociedade altamente competitiva que anula a noção de amizade ou solidariedade. Os treinamentos propostos sob o eufemismo de “recursos humanos” são na verdade maneiras de estimular fórmulas de sucesso pessoal que estão longe de levar em conta a diferença e a criatividade.
A criatividade e a emergência de uma diferença são possibilidades pensadas por Freud como alternativas à sonhada felicidade. Se não podemos ser felizes integralmente ou definitivamente, talvez possamos experimentar uma pequena margem de liberdade, quem sabe a de um desejo próprio e singular? O remédio de Freud contra a neurose não era a felicidade, mas o humor e a criatividade. Ele era cético quanto a um estado duradouro da tal felicidade.
JP era um aluno do São Bento como eu fui. Um colégio rigoroso quanto à disciplina e quanto ao desempenho de cada aluno. Eu reconheço todos os benefícios que a formação nesta instituição de ensino me proporcionou. Lembro com muito carinho de colegas e professores. Porém, é um colégio cujo ensino, em pleno século XXI, está restrito aos meninos. Talvez uma questão para ser levantada. Se algumas meninas frequentassem o cotidiano de JP, se ele tivesse um convívio com o jeito feminino de ser, será que alguma coisa pudesse se dar de outra maneira? Talvez sim, talvez não. Mas é um fato, o de que, nos dias de hoje, um homem não só se encontre com o sexo oposto no santo altar. As mulheres estão na cena do mundo e não mais restritas ao lar. Esta é uma das questões particulares desse colégio que frequentei e tenho saudades.
Há hoje um ranking de escolas, o São Bento, tanto quanto algumas outras, é sempre destaque. Eu conheci Homero, Sófocles, Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade nesse colégio. Minha querida e inesquecível professora Dona Amélia recitava em lágrimas versos de Drummond. Eu não estudava para o vestibular, estudava para ser gente.
Contudo, há outro aspecto polêmico: os dogmas religiosos. Devo dizer que os valores cristãos influenciaram minha educação e o meu pensamento. Não digo o mesmo da Igreja Católica Apostólica Romana e, muito menos, da Igreja Evangélica cuja institucionalização do cristianismo, suas práticas e discursos me despertam muitas críticas e restrições. Mas, Lacan adiantou que a religião triunfará sobre a ciência. Vou aqui parafraseá-lo quando fala das psicoterapias: “Não é que não ajude, é que leva ao pior”.
Fazer o bem acima de tudo é o que há de pior, pois Freud nos fala do impossível desse mandamento. “Quero o teu bem à imagem do meu”. É isso que queremos para os nossos filhos, que eles sejam aquilo que não fomos. Em outras palavras, desejamos para nossos filhos os nossos fracassos, o que não conquistamos.
Não preparamos nossos filhos para serem sujeitos de um mundo que nos transcenda, queremos que eles realizem nossas frustrações. Pais que somos no desamparo de nossa existência errante, descontínua e faltosa. “Senhor, tende piedade de nós”. Seres que dormem sonos perturbados, enquanto as crianças de nossos sonhos se perdem no desafio de sobreviver neste mundo cão, neste mundo do sucesso material e do sacrifício da diferença_ de uma maneira própria de existir.
O que queremos para os nossos filhos quando os matriculamos numa escola não para aprenderem o novo, a novidade, mas para serem números de uma estatística bem sucedida? “O Colégio PhD....(Sei lá o que?) obteve 90% de aprovação no Vestibular”. É isso que realmente importa? Isso garantirá o futuro de seu filho? Vamos abrir os olhos, pois crianças e adolescentes caem da janela de seus próprios sonhos e fantasias.
Responsabilidade, empenho e estudo são elementos necessários para alcançar metas, objetivos e etc. Alguns conseguem mais, outros nem tanto. O potencial humano não se mede pela quantidade, mas se apresenta na forma particular como cada um lida com seus limites e dificuldades. O mercado é competitivo, mas não podemos negligenciar valores como respeito e tolerância.
JP se foi precocemente. Poderia ser o meu filho, o seu filho. Poderia estudar em diversas escolas desse mundo altamente competitivo que não quer saber da diferença. Quem sabe haverá um Blade Runner quando nos tornarmos máquinas rebeldes e incapazes de amar?
Abílio Luiz Ribeiro Alves
08/10/2012
Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-39008691488024591902012-08-19T13:16:00.001-07:002012-08-19T13:32:03.759-07:00Da beira do caminho ao fundo do coração Um filme que fala de dor, perda, esperança e tendo como motivação canções de Roberto poderia cair numa estrada perigosa de sentimentalismo exagerado ou piegas. Breno Silveira já havia acertado na medida no blockbuster “Filhos de Francisco” e agora, será que iria errar a mão? Acontece que ele filma com autenticidade, é fiel a sua estética: beleza, sensibilidade e honestidade são ingredientes que em sua mão fazem um ótimo caldo.
E as canções de Roberto? Elas fazem o filme acontecer. As letras de Roberto Carlos nos levam diretamente para o que há de mais exemplar do imaginário cultural e romântico desse nosso imenso Brasil. As músicas de Roberto têm a capacidade de fundar, de inventar, em nossos corações um romance, um novo caso ou um novo amor. É ouvir e ficar apaixonado. Tiro e queda. Cafona? Também é às vezes. Mas na maioria das ocasiões uma tradução do arquétipo amoroso brasileiro.
Eu fiquei emocionado desde a primeira cena, aquele caminhão na aridez da paisagem e a música de Roberto, sei lá! Um lance de dar nó na garganta. João Miguel é João o caminhoneiro, e tantos outros brasileiros chamados João, um lindo nome! João Miguel, com atuação magnífica e a generosidade de um grande ator que é, nos oferece um João brasileiríssimo pelas estradas desse gigante país. Um homem que leva consigo pela estrada sentimentos confusos: dor da perda, culpa e remorso, ressentimento e paixão. João foge de si mesmo, daquilo que não pôde suportar de sua divisão entre dois amores. João, como quase todos os homens, esteve dividido entre a mulher que amava e aquela que desejava (Helena e Rosa, quem resiste a esses nomes?). Ou amava e desejava as duas alternadamente, essas coisas que enlouquecem a psicologia amorosa de um homem como ele, como todos nós. Sim, João é um homem tipicamente brasileiro: virilidade, paixão, dúvidas, infidelidade e infantilidade. Um menino que se abandona ao ver-se abandonado por seu destino cruel e fatal. A divisão a lhe cobrar sua dívida daquele jeito: ter uma em seus braços, enquanto a outra tem a vida ceifada numa curva da estrada. João não pôde enfrentar o seu pecado e cai na desgraça de sua dor a fugir pelo mundo: ele e seu único CD de Roberto.
Contudo, o menino desamparado que carrega consigo lhe aparece no meio do nada, à beira do caminho. Duda encarna aquilo do que João foge. O que é a atuação de Vinicius Nascimento? Lindíssima e comovente maturidade de um ator de treze anos. Duda é João ainda adolescente, sou eu ou você. Duda a pegar o caminho e a estrada do mundo sem pai nem mãe. Assim nos encontramos muitas vezes, a orfandade do sujeito na sua condição desejante. Duda não tem nada, apenas um único desejo: encontrar o pai. Aí está toda a esperança: há um pai. Ele está muito longe, em São Paulo. Perto de Duda está João, aquele menino homem abandonado de si mesmo.
Não quero contar mais nada do filme, é suficiente. Ressalto o brilho da participação de Dira Paes. Gostaria de voltar à ousadia de Breno Silveira. Mais especificamente à honestidade de seu fazer cinema. Silveira nos leva à dor de uma perda, dor que tão bem ele conhece. Faz acompanhar essa dor de esperança. Ele nos leva por paisagens diversas, alternando o árido, o feio, a beira da estrada, a beleza e simplicidade poética de algumas fotografias. Ele nos lembra de que somos brasileiros, de Petrolina, Juazeiro até São Paulo_ terra das desesperanças, das esperanças, quanto contraste e contradição!
Breno Silveira nos oferece a possibilidade de pensar sobre coisas que deixamos pelo caminho: pessoas queridas, histórias, paixões, pecados, culpas e desejos. Num país de tantos brasileiros órfãos, sem filiação na certidão de nascimento (quantos nem chegam a ter a certidão?), ele nos alenta com uma bela história de como um filho funda um pai a partir de seu desejo, sua falta. E, ainda, nos dá a esperança de que um luto seja possível. Vamos com as canções de Roberto, da beira do caminho ao fundo do coração.
10/08/12Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-26425364732094363122012-07-23T19:29:00.000-07:002012-07-23T19:35:31.627-07:00E aí comeu? Ou sobre o risível do medo de amar masculino<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Sucesso de bilheteria, a sala estava
quase lotada ontem. Todas as jogadas de marketing foram eficientes, contudo, o
filme tem mesmo o seu valor. Despretensioso e com bom humor, a fita vale o
ingresso. Comecemos pela química que
envolveu os atores e a amizade convincente que eles protagonizam. A amizade é
aquilo que resiste aos imperativos de sucesso e enriquecimento a qualquer custo
nos dias de hoje. Cachoeira e Demóstenes, por exemplo, não são amigos, me
parece que isso é claro ou não? A amizade verdadeira passa por uma
identificação pela dor, pelo sofrimento do qual um amigo se faz solidário ao
outro. Os três personagens estão sofrendo, cada um a sua maneira, mas todos
pelo mesmo motivo: <i>amar as mulheres</i>.
“Heterossexual é quem ama as mulheres” _ define Lacan. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Desde Freud, sabemos que um homem
precisa depreciar a mulher enquanto objeto amoroso para poder desejá-la. Daí o
título do filme: <i>E aí comeu? </i>É quase
uma mensagem cifrada que quer dizer: “Não vem com essa de pagar paixão”. Não se
pode falar sério de amor, isso não cai bem para um homem. Mas, o bar é uma
espécie de consultório sentimental dos machões, é um lugar sagrado e de
encontro entre amigos. Ali, é possível chorar as mágoas. Contudo, a
cumplicidade daqueles caras permite que eles se comuniquem num dialeto próprio,
num linguajar que soa para as moças sentadas ao lado como grosseiro e
chauvinista. Essa modalidade de discurso permite classificar, segregar e
definir as mulheres de acordo com a lógica estritamente fálica e masculina.
Isso interessa muito as frequentadoras de saias desses ambientes, mesmo quando
elas se espantam com uma linguagem tão rala. Aqueles caras falam com muita
propriedade sobre o assunto do sexo, sabem o que dizem, mas não sabem do que
sofrem.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Um casado, um recém-separado e um
solteiro: o que eles têm em comum? O medo de amar. O amor é para o homem a pior
parte de uma mulher. Sim, os homens gostam das mulheres de forma fetichista_
peitos (siliconados ou naturais), bundas, pernas e coxas, ainda, sexos peludos
ou desenhados por depilações. Desejam o que veem e amam o que não enxergam. Uma
mulher para ser amada precisa ser decifrada. Tarefa impossível e
insuportavelmente angustiante para um ser que prefere, muitas vezes, não
recorrer às metáforas e ir diretamente e mecanicamente ao assunto.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Os diálogos são impagáveis e muito
instrutivos, pois não venham com essa de que uma boa dose de preocupação e
fundamentos sobre técnicas e funcionamento não ajudam! Homem que se preza (fiz
o ato falho de escrever: homem que se preSa, o corretor de texto me salvou) não
acredita que sexo é poesia. Fazer amor é poesia, diz Lacan. Mas, praticar o
esporte exige sim manobras arriscadas e radicais, bom desempenho pelos relevos,
curvas, caminhos e estradas de uma bela geografia. Um pouco de frase de bar:
“Se Deus inventou algo melhor que a mulher guardou para ele”! Nesse caso, foi
fantástica a presença do professor/garçom Seu Jorge no papel de um sósia de Seu
Jorge. Os diálogos politicamente <i>incorretos
</i>deram um tom espontâneo e verdadeiro às segregações quanto à raça,
atributos físicos e, digamos, idiossincrasias dos parceiros sexuais.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Voltemos, entretanto, ao medo de amar
dos homens, de que forma ele comparece na trama? Honório (Marcos Palmeira) é um
sujeito experiente, é ele quem surge em primeiro plano e na primeira cena no
banheiro masculino _ “o banheiro é a igreja de todos os bêbados (Cazuza)” _
apresentando os outros personagens. Ele é casado com Leila (Dira Paes) e com
ela tem três filhas. Há a crise do casamento, o peso decorrente do tempo e das
dificuldades sobre as diferenças. Eles estão afastados e não conseguem
conversar, estão ressentidos. Honório num dado momento é tomado por um ciúme
intenso, acredita que Leila possa estar lhe traindo. O ciúme é o sintoma de seu
medo de amar, de dizer o quanto se importa com ela, o quanto a deseja. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Afonsinho (Emílio Orciollo Neto) é um
cara que vive da grana do pai, adora palavras cruzadas, mas tem a ambição de
ser escritor. Como escrever um romance, se nunca viveu um amor de verdade? Só
conhece as mulheres através dos favores sexuais remunerados de prostitutas.
Afonsinho quer que tudo acabe sempre numa suruba. É no fundo um sujeito que
evita o amor por medo. Reduzir tudo a sexo comercial<i> </i>é sua estratégia.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Fernando (Bruno Mazzeo) acaba de se
separar, está sofrendo. Todavia, algo dá a entender que, por alguma razão, não
se empenhou para evitar o que parece ter sido uma separação precoce. Ele e
Vitória (Tainá Muller) transparecem suas dúvidas e oscilações quanto à decisão
tomada. Mas, Fernando deixa rolar, vacila por seu medo de amar.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Os inseparáveis amigos de mesa de bar
seguem filosofando, teorizando e concluindo verdades sobre o incerto terreno
das trocas amorosas e sexuais entre os sexos. O humor e o riso tornam possíveis
abordagens divertidas e prazerosas sobre um tema tão espinhoso que é o da
incompatibilidade entre os sexos. Lacan é mais definitivo ao afirmar que “não
há a relação sexual”. O amor vem suprir, vem fazer suplência frente a esse
impossível. Amar é a via para o outro sexo. Mas, se os homens temem o amor,
como chegar ao continente feminino?<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">O filme mexe com o imaginário
masculino e oferece ótimas saídas aos personagens. O roteiro é bem mais
generoso quanto ao que Freud propôs como saída para o Édipo feminino. Fernando
tem a chance de começar tudo de novo com a vizinha linda, dezessete aninhos,
virgem, sexy e apaixonada. Enquanto isso, morremos de inveja, o ideal existe só
para ele.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Afonsinho pôde realizar o fetiche
mais comum e inconfesso dos homens: fazer da puta a mulher amada. Casar com a
puta, possui-la na cama e no amor. Definitivamente, não há fetiche mais
almejado do que esse.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Tudo na verdade é uma grande
brincadeira, feita com bom humor. Talvez só Honório e Leila sejam de verdade.
Um casal possível. Um casal que tem a chance de se reencontrar, mesmo que se
percam depois. Mas que possam fazer isso enquanto o amor dure. Honório é o
personagem que prova que um homem pode e deve amar sem garantias e sem medo.
Leila faz tudo valer a pena. Ela é uma mulher possível. Deles não tenho inveja,
pois há muitos anos divido essa difícil tarefa com uma mulher que me ensinou a
não temer o amor. Dedico a ela este texto.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br />
23/07/2012</div>Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-31601292703200263532012-07-23T19:26:00.002-07:002012-07-23T19:31:15.358-07:00Entre o mito e a verdade: um Raul no meio<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Hoje cedo li a crônica do Xexeo sobre
os dias nublados no Rio de Janeiro. Fiquei pensando sobre os tempos cinzentos
que descolorem nossa atualidade. Vivemos um período sem grandes novidades, tudo
parece já visto ou reeditado. Fiquei um tanto enjoado e entediado com mais uma
semana que acabava de começar. Não contava com o que estava por vir.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Programação de cinema na mão e a boa
surpresa ao saber que o filme de Walter Carvalho (<i>Raul: o início, o fim e o meio</i>) ainda estava no circuito. O final
da tarde foi emocionante. Demorei a sair da sala de projeção, fiquei muito
comovido. Ao concluir com o fim que é a morte, o diretor nos deixa com o meio:
nem mito, nem verdade, mas o que ele nos faz entrever sobre um homem, seus
parceiros, amores, músicas, a dor de existir, enfim, as coisas que tornaram
Raul um genial e improvável roqueiro baiano apaixonado por Elvis Presley. O
título do filme é uma sacada maravilhosa do diretor ao condensar Raulzito:<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"> Eu sou o início,<o:p></o:p></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">
O fim e o meio.<o:p></o:p></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Seria ele uma metamorfose ambulante?
Certamente, uma lhe ocorreu quando ainda era uma criança e se apaixonou por
rock’ n roll. Se tudo começa do começo, Walter Carvalho faz referências ao
começo de tudo, o contexto que acabaria por lançar aquele menino baiano no
mundo. E aí um depoimento:<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">“O Rock não era contra o pai, mas
algo que dava ao jovem uma virilidade com a qual o permitia se medir ao pai” _
não é exatamente isso, mas assim se transmitiu para mim.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">O Rock é masculino, mas não existiria
sem suas musas, nem sem Rita Lee, é claro! Mas o Rock é uma ereção, e isso,
pelo visto, nem as bebidas e as drogas roubaram de Raul. Um menino de minha
geração não poderia prescindir dos acordes voluptuosos de uma guitarra. Era
Viagra na veia! É incrível como o diretor consegue arrancar juventude e frescor
presentes nas expressões e depoimentos daqueles velhos companheiros de
adolescência. Alguns, mesmo que castigados pelo tempo, ainda conservam traços
da alegria e da beleza impressos em antigas fotografias. Mas não sejamos
completamente românticos, a erótica do Rock é curiosa, a combinação de sexo,
drogas e rock’n roll tem levado muita gente a um final melancólico.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Nasce Raul Seixas, o improvável
roqueiro baiano, surgido das influências musicais de Chuck Berry, Little
Richard e, sobretudo, Elvis Presley. Um inglês com sotaque baiano, golas
puxadas para cima, atitude e talento fizeram o artista. Há muitas histórias,
muitos risos e boas gargalhadas. É um momento muito pitoresco e contagiante do
filme. Uma grande citação aos tempos, companheiros e parceiros que marcaram o
percurso de Raulzito. Ele teve bons e inspiradores amigos, parcerias incríveis,
como as com Cláudio Roberto.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Paulo Coelho não foi seu amigo, não
no sentido próprio do termo. E não é necessário definir o que foi a relação
entre eles. Walter Carvalho não foge das questões polêmicas, o que é
fundamental é que ele não tem a pretensão de que elas sejam respondidas. O
diretor sabe o que quer com suas lentes, se há algo que ele não quer é fechar a
perspectiva para buscar a verdade no fundo. As perguntas interessam mais que as
respostas. Nesse sentido, Paulo Coelho é bem interessante, seu depoimento é
absolutamente distinto dos outros. Ele fala sem manifestar afetos, sem se
comover e nem achar nada muito engraçado, a relação dele com o Raul foi o que
foi, rendeu ótimas parcerias, se amaram e se odiaram. Sim, apresentou todas as
drogas ao roqueiro. Sem problemas, Raul já era adulto. Como se dizer tudo isso,
assim desse jeito, não tivesse grandes consequências. “Paul Rabbit”, como
brinca Eduardo Dusek, me convencia. Até chegar ao primeiro momento estranho.
Eis que no meio da entrevista, em Genève, pinta uma mosca. Paulo Coelho diz que
não há moscas por lá, então, me pareceu que ele ficou “bolado”. Eu me perguntava
se não era um efeito especial pensado pelo diretor. Contudo, imaginei o Walter
Carvalho levando a mosca num vidrinho até a Suíça. Loucura, né?<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Outro momento tenso da entrevista foi
quando Paulo Coelho teve que responder a afirmação feita, por um seguidor de
Aleister Crowley, de que Paulo Coelho jamais reivindicou a devolução de uma
procuração sobre a gestão de sua alma deixada por escrito pelo próprio escritor
a ele, seu mentor ocultista. O cara alega que seria necessária uma carta por
escrito. O autor de <i>Diário de um Mago</i>
propõe jocosa e nervosamente: _ “Não serve o abandono?”. Bom o cara é mago,
quanto a mim, não deixaria uma procuração sobre minha alma com ninguém!<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Pois é, Paulo Coelho se destaca de
tudo que há no filme, e ficamos sem saber exatamente por que. E foi muito bom
isso. Não era mesmo para se saber. Há algo que só eles viveram no auge da
loucura, juventude e criatividade. Para que julgar? Pensei neste instante num trecho
do<i> Rock</i> <i>do Diabo</i>:<o:p></o:p></span></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><i><span style="line-height: 115%;">Enquanto Freud explica,</span></i><span style="line-height: 115%;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"> O diabo dá um toque.<o:p></o:p></span></span></i></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Então, o espaço é aberto para os
amores de Raul. Fiquei impressionado. O cara foi muito amado por suas
companheiras (Glória, Tânia, Kika e Lena)! Edith, a primeira esposa, que havia
se retirado de cena levando a filha do casal, Simone, se esquiva dos
depoimentos. As outras, por alguma razão, mais generosas falam coisas
surpreendentes. Em que sentido? Apesar de todo o sofrimento e drama acarretados
pelo alcoolismo e a diabetes de Raul, aquelas mulheres o amaram profundamente.
Até onde uma mulher se sacrifica para salvar o seu amor? E parece que estariam
dispostas a ir mais além. São depoimentos belíssimos, mesmo em momentos até
risíveis. As mulheres de Raul entenderam a sua alma, sua liberdade, seu drama,
enfim, a sua loucura ou melancolia. Quanto aos filhos, eles aparecem através de
suas mães, mais, no desejo delas por aquele homem. Fica, no entanto, o mistério
sobre Edith e Simone, a filha que Raul se viu roubado.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">O diretor aborda ainda a polêmica
parceria com Marcelo Nova (Camisa de Vênus). Teria o citado músico se utilizado
da frágil ou delicada situação de Raul para se projetar? Walter Carvalho abre o
espaço para que a pressa não decrete a verdade. Cada um age por suas razões. Às
vezes, o mal parece o bem, em outras, o bem sugere o mal. Paciência. Ninguém é
tão santo ou diabo. Ou, cada um pinta seu santo ou diabo como quer.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">O filme conta com as participações
super especiais de Nelson Motta, Pedro Bial e Caetano Veloso. Walter Carvalho
consegue diluir certezas, evitar julgamentos, manter questões em aberto. Não
quer fazer consistir o mito, nem a verdade. Ele tem a visão sensível da obra
que inclui o homem marcado por sua história, sua arte e dor de existir_ o
humano.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Walter Carvalho reserva para o final
uma grande questão sobre o artista. Raul tinha certa obsessão pela morte. Por
um lado, parece que a proximidade dela lhe era libertadora, visto de outro
modo, sua presença, por vezes, lhe era persecutória. Seu irmão conta que em certa
noite Raul, ainda menino, o acorda com um medo intenso da morte. Conta este que
o aconselhou um velho remédio: “_ Mano, bate uma bronha!”. Acho que Raul passou
a vida negociando com a morte. Haveria ainda outra metamorfose? O alegre menino
e improvável roqueiro baiano teria se transmutado em um homem melancólico e
cedido definitivamente ao álcool e as drogas? O diretor, numa recente
declaração, afirmou que Raul morreu de amor pela primeira esposa, não teria
superado seu afastamento e o da filha. Isso teria sido decisivo para sua morte
precoce aos 44 anos. Assim, o filme termina com um tango, uma de suas melhores
obras: <i>Canto Para A Minha Morte</i>:<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><i><span style="line-height: 115%;">A morte, surda, caminha ao meu lado</span></i><span style="line-height: 115%;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">E eu não sei em que esquina ela vai me beijar...<o:p></o:p></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Vou te encontrar vestida de cetim,<o:p></o:p></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Pois em qualquer lugar esperas só por mim<o:p></o:p></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">E no teu beijo provar o gosto estranho que eu quero e não<o:p></o:p></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">desejo, mas tenho que encontrar<o:p></o:p></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Vem, mas demore a chegar.<o:p></o:p></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Eu te detesto e amo morte, morte, morte<o:p></o:p></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Que talvez seja o segredo desta vida<o:p></o:p></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Morte, morte, morte que talvez seja o segredo desta vida.<o:p></o:p></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<i><span style="font-size: 14pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></span></i></div>Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-82084600309371127842012-05-01T08:10:00.001-07:002012-05-01T08:10:08.631-07:00Vinhetas, pequeninas histórias e pitadas poéticas em Nova York<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Sábado de um feriado prolongado. A
temperatura começa a cair, sobretudo pela chegada de uma frente fria. Uma
preguiça que quer te deixar debaixo das cobertas. Ótima desculpa para
descansar. Quase não me permito tal situação. Meu corpo pede movimento. O
controle da TV ao alcance da mão, eu giro pelos canais por assinatura. <i>Nova</i> <i>York,</i>
<i>Eu Te Amo </i>(2009) é o título do filme
que faz com que meu dedo pare de clicar. Por algum motivo acabei não o assistindo
no cinema e recentemente o preteri na prateleira da locadora.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Ele segue a proposta já realizada
anteriormente de <i>Je t’aime Paris</i>. Pequenos
roteiros e vários diretores compondo uma colcha de retalhos que se estende
muito bem na tela. As cenas e seus personagens têm ao fundo várias citações de
pontos interessantes da cidade de Nova York. Esses filmes são geralmente
criticados por seguirem a fórmula do que os críticos chamam de cinema
turístico. Eu discordo. Não me parece que as referências turísticas e
geográficas sejam o objetivo final dos diretores. Mas por que não utilizá-las
como inspiração para os roteiros? A vista da Baía de Nova York, Battery Park,
Quinta Avenida, Central Park, Chinatown e tantas outras citações a uma das
cidades mais conhecidas e visitadas do mundo, lugar que reúne gente de tantas
partes do planeta.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">As curtas histórias recebem pitadas
de poesia de seus diretores. Cenas cotidianas que abordam esteticamente a
subjetividade e a singularidade de personagens bem humanos em sua maneira de
lidar com o amor e os sentimentos que dele decorrem. Meu fim de tarde de um
sábado chuvoso certamente ganhou mais beleza. Eu recomendo o filme.</span><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> 01/05/2012<o:p></o:p></span></div>Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-51205049515651204512012-03-28T20:48:00.002-07:002012-03-28T21:21:40.121-07:00Shame ou a Estética do Real<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"> O cinema é uma constante revolução, mesmo quando não gostamos do que vemos. O espectador não é um psicanalista, mas por alguma razão esse é o meu ofício. Não gostei do que vi. Mas, não posso evitar os efeitos de um registro que se pretende artístico. O diretor britânico Steve McQueen, apesar de contar com as bordas da telona, rasga a fantasia para nos fazer entrever um real e angustiante cenário sexual desse novo século. Uma Nova York citada nas imagens de alguns de seus becos, buracos sujos, inferninhos e vistas panorâmicas. Nada de poesia ou romantismo, o diretor nos oferece uma estética que se adequa muito bem à Nova York depois dos atentados às Torres Gêmeas.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"> Queria falar da fantasia, mas vivemos no tempo do deserto do real. Quando não há a lei nada mais é possível, a não ser a destruição do sujeito. Contudo, apesar de todo o horror, no final, havia uma escolha. Eu rezei para todos os meus deuses para que Brandon (Michael Fassbender) visse naquele anteparo, em que a jovem linda e sedutora pôs a mão, uma barra. O filme termina ali onde a barra é o último recurso. Será?<o:p></o:p></span></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"> </span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"> Eu não escrevi sobre <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O Artista</i>, por quê? Um filme sobre a arte e a história do cinema. Eu não sei. Que sintoma é esse o meu o de falar do pior? Que tipo de interesse mórbido é o meu? Não é isso, é que o psicanalista não pode dar a sua angústia. Não pode recuar frente ao seu desejo. O de estar do lado do inconsciente. Brandon é um sujeito contemporâneo, alguém que não quer saber. Não quer saber do que não se sabe: uma verdade sobre o que está em causa no seu desejo sexual. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Talvez não seja exatamente isso: “ele sabe, mas mesmo assim”...<o:p></o:p></span></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"> </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Seja como for, o que percebemos é que por não poder reconhecer nem nomear algo de seu desejo, ele está aprisionado a um gozo compulsivo e mortificante. Ele é um viciado em sexo, ou será que o sexo se viciou nele? Brandon sabe todos os caminhos, ele tem acesso a tudo que é possível de se consumir sobre sexo, ele quer, no entanto, esquecer que é ele quem é consumido, ele é a mercadoria de seu próprio gozo insaciável.<o:p></o:p></span></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"> </span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"> Aí entra em cena Sissy (Carey Mulligan), a tragédia personificada de suas vidas. Uma personagem carente e devastada que devolve a Brandon algo sobre o seu passado, sobre o abandono, sobre a perdição das criaturas que se tornaram. Haverá um desejo incestuoso entre eles? Esse não seria exatamente o problema. A questão é </span></span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">que ninguém ou nenhuma lei veio interditá-los. Eles estão desgraçadamente carentes dessa interdição fundamental. Desesperadamente, Sissy pede a Brandon que ele a ampare. Esse é um pedido que é insuportável para alguém que só pode responder com seu gozo sexualmente indiferenciado, ele traça de tudo, se não correr para seus buracos sujos vai acabar comendo a irmãzinha, contudo, aí está, por alguma razão, ele a protege disso. Ele deu a ela uma toalha quando ela estava nua diante dele. Ele foi para rua para não escutar a trepada dela com seu próprio chefe casado. Ele diz a ela inclusive que ela é uma imunda por isso. Incrível, logo ele que se deita ou faz sexo com qualquer coisa. O uso que Brandon faz do sexo o coloca numa posição perversa, mas jamais numa psicose. A verleugnung (desmentido) diz respeito a duas operações concomitantes: a de reconhecer a castração e a de recusá-la ao mesmo tempo.<o:p></o:p></span></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"> </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Brandon não conseguiu fazer sexo com sua colega de trabalho. Algo fugiu do controle, quem sabe ele se deixou envolver, isso seria “fatal”, pois o deixaria numa posição faltosa, inviabilizando sua impostura perversa. Ele está numa posição limite em sua perversão. O perverso se angustia, pois sabe da castração, mas não se angustia em sua posição fetichista, a angústia incide num outro lugar: a posição de Sissy.<o:p></o:p></span></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"> </span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"> Sissy é uma psicótica ou uma histérica devastada? Não sabemos. O que sabemos é que ela passa ao ato. E que isso faz com que Brandon ceda em sua posição perversa. Ele se angustia e se desespera. A impostura perversa não tem êxito em sua questão incestuosa com a irmã. Já disse que não acho que ele fosse capaz de trepar com a irmã. Por isso mesmo é um fetichista. Contudo, ambos sofrem da carência da lei que viria interditá-los.<o:p></o:p></span></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"> </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A estética do real nos descortina uma “ultrarrealidade”, como se isso fosse possível, um mundo onde o Édipo fosse abolido da questão humana. Não penso que haja a possibilidade do humano sem essa estrutura mínima e necessária. Acredito também que McQueen pensa da mesma maneira. Sua “ultrarrealidade” visa uma ética. Por isso rezei aos meus deuses, por isso não lhes dou minha angústia, para sustentar minha posição ética.<o:p></o:p></span></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"> </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">28/03/2012</span></span></div>Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-58273252494121285882012-02-15T17:40:00.001-08:002012-03-28T21:26:14.313-07:00Um Havaí sem surf<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Calibri;"><span style="font-size: 14pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span></span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Já quis ser John Malkovich, agora gostaria de ser George Clooney. Ele me devolve certa esperança de que a vida de um homem pode ser interessante depois dos cinquenta (estou quase lá). Ele é talentoso, rico (mora numa mansão no Lago de Como, Itália), bonito, charmoso e... Como vou dizer isso? Bem, “pegador”. Clooney não se reduz a sua boa imagem, é hoje mais do que o médico galã de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Plantão Médico</i>. Ele se revelou um bom diretor e ator, é inclusive um forte candidato ao Oscar 2012.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Adorei <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Os Descendentes</i> (direção de Alexander Payne), classificado como comédia dramática é uma ótima opção para aqueles que se divertem rindo e chorando ao mesmo tempo, devorando baldes de pipocas (isso eu não posso, meu colesterol não deixa). Nem tudo é possível aos (quase) cinquenta! Contudo, fiquem tranquilos, o filme não é um dramalhão. Todos com quem conversei concordam com isso.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Começo justificando que meu recorte é insuficiente para abordar todos os elementos da trama. Quanto à questão do título do filme, tive que deixar de fora considerações sobre a origem do personagem principal e as suas relações com a linhagem de descendentes masculinos em torno da rica herança deixada pela tataravó. Privilegiei outra vertente, mais especificamente: o que o citado personagem deixará para as suas filhas? </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Matt King (Clooney) é um advogado bem sucedido, um cara que junta tudo o que ganha, apesar de ser herdeiro de uma fortuna, não surfa e nem acha o Havaí um paraíso. Em suma, um tremendo de um obsessivo. Ele é um cara mortificado, se assim posso defini-lo. Está inerte, provavelmente como sempre esteve, mas agora diante da esposa também inerte num coma profundo. O médico lhe diz que já não há mais nada a fazer por ela, era o desejo dela que sua vida não fosse prolongada daquela maneira. Elizabeth tinha nos esportes radicais e na adrenalina seus antídotos contra uma vida adormecida. Acidentes acontecem, ela sabia disso, então deixou sua vontade por escrito.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Matt, ao contrário, poderia passar a vida inteira ali, esperando a esposa dar algum sinal de um despertar. Matt é um guardião da morte, como os obsessivos costumam ser. É incrível, mas se ninguém viesse lhe dar um choque de realidade, ele ficaria ali para sempre. É ele quem precisa sair do coma.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Há algo, porém, que poderá ajudá-lo. Matt não sabe, o que já é um bom começo, ele não sabe o que fazer com suas duas filhas. Elas estão bem vivas, dão muito trabalho. Ele não sabe o principal: o fato de que é amado por elas. O que ele fez para merecer isso? Não é tão fácil descobrir, dado que ele está imerso na culpa e na inércia quanto ao seu desejo.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>É assim que entra em cena uma personagem fundamental, Alexandra (a ótima Shailene Woodley), a filha mais velha de Matt King. Ela intervém da posição que nós, psicanalistas, definimos como<i style="mso-bidi-font-style: normal;"> histérica</i>. O que isso quer dizer? Ela denuncia a impotência do pai, ela o provoca na tentativa de fazê-lo trabalhar como mestre pela questão que é a dela, a saber: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">o que o Outro deseja?</i> Para isso revela ao pai que sua mãe o traía com outro homem. Essa menina não sabia disso por acaso. Ela é danadinha! Ela consegue um bom resultado com isso. Pela primeira vez Matt reage como alguém cujo sangue pulsa nas veias. Alexandra coloca entre ela e o pai um rapazinho que tem uma função pontual. Ela oferece ao pai um rival na medida. Ela também sabe que, pelas condições apresentadas pelo genitor, ele não suportaria nada maior e melhor do que um adolescente.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Todavia, Matt e o rapazinho protagonizam uma cena muito interessante. O adulto convoca o adolescente a apresentar suas insígnias fálicas. O jovenzinho não se faz de rogado: _ “Jogo bem xadrez, toco guitarra e tenho erva”. Dá ainda um pequeno testemunho de como está se virando com a morte recente do pai morto num acidente de trânsito ao dirigir bêbado. </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">Disse-lhes que Alexandra está numa posição histérica, o que é diferente de afirmar que ela é uma histérica devastada. Longe disso. Ela percebe que o pai está em apuros: impotente, atrapalhado. Quem sabe querendo dar uma chance para ele ou por seu desejo de saber, ela o instiga na direção do amante da mãe, ela realmente parece querer saber algo sobre isso. O pai no lugar do corno a interroga, desnecessário dizer, inconscientemente. Muito embora o desejo de Matt (o pai), há tempos, já o traísse deitando com a morte.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">O desfecho poderia ser patético, porém Matt lança mão de seu único recurso, justamente aquele que permitiu que suas filhas o amassem. Mesmo depois do fracasso do casamento, apesar de saber da traição da esposa, de realizar que tudo o que viveu com ela se concluía naquele desfecho, Matt não recuou, não dissimulou, não traiu o amor que finalmente descobria sentir por Elizabeth. O que ele revelou para as filhas naquele momento? Que um homem não é um completo idiota quando assume o seu amor, ainda que faltoso e impossível, por aquela a quem fez sua esposa. O ideal do amor fracassa para todos, mas o desejo empenhado e a perda imposta no luto daquele homem revelou o vestígio do que é possível frente ao impossível da realização do casal conjugal para os filhos. Ao sair de seu coma profundo, Matt pôde, enfim, encarar suas filhas.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">Vale conferir!</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"></span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">15/02/2012</span></span></div>Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-51781806049244319382012-02-15T17:37:00.000-08:002012-02-15T17:37:30.166-08:00Não é uma bomba atômica<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">Enquanto os líderes do mundo ocidental estudam um bloqueio comercial ao Irã em decorrência de uma suposta produção de armas nucleares, chegam as nossas telas cópias de uma produção de baixo orçamento:<i style="mso-bidi-font-style: normal;"> Separação </i>de Asghar Farhadi. Há gente pensando e produzindo coisas interessantes no Irã. Apesar do contexto controverso que se divulga a respeito desse país, há mais do que bomba, petróleo e tapete persa por lá.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">Assim, não falo de uma bomba atômica, senão de uma trama que aborda questões que nos levam a refletir sobre temas universais e cotidianos. Não vou me adiantar afirmando que se trata do melhor filme do ano, como fez Artur Xexéo em sua coluna. Mas, é uma ótima oportunidade para verificarmos que as diferenças culturais não eliminam os traços humanos que se marcam nos falantes, seja aqui ou em qualquer parte do mundo, diante de seus conflitos existenciais.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">O que é um casal? O que é a dita relação natural que une homens e mulheres desde os tempos das cavernas? Os animais, digo macho e fêmea, acasalam para preservar as espécies, mas que história é essa, a de que homens e mulheres façam o amor?</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">O filme começa com uma catástrofe, a separação. Toda a ordem das coisas é abalada por isso. Levem em conta que se trata de uma cultura em que a devoção e a submissão ao casamento, sobretudo da esposa em relação ao marido, está relacionada à Lei de Deus. Concordemos ou não com isso, é isso que entendemos logo no início do filme. Entretanto, li recentemente que há uma epidemia de pedidos de divórcios no Irã.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">A separação irá trazer toda sorte de mazelas, desde o desamparo da infância e da velhice até a morte. A unidade conjugal segue a ordem de Deus. Quando isso fracassa o mundo daqueles personagens é profundamente afetado.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">A governanta representa a posição das mulheres ajustadas aos valores religiosos e culturais dessa sociedade. Já Simin (Leila Hatami) é a voz das mulheres que questionam o instituído e anseiam por mudanças. Simin é uma mulher que quer agir conforme seu desejo. O que não significa que ela não ame o seu marido, não é isso. Ela quer amar o seu homem a sua própria maneira. A governanta ama a Deus, em nome de sua devoção a Deus é complacente com a sua miserável vida ao lado do marido quase arruinado. Quem dirá que não é uma forma possível de amar? O amor neurótico do sujeito pelo Outro.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">A miserável governanta vem em socorro de um mundo sob catástrofe, com um filho na barriga, uma criança pela mão e um velho doente de Alzheimer para cuidar. O desamparo incide ali onde um casamento foi desfeito. Vocês sabem, o desamparo é um poço sem fundo. A governanta não tem nada mais para dar senão seu sacrifício.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">Nader (Peyman Moadi) não pode abandonar seu pai. Paga o preço de ver Simin partir. O desejo dela está endereçado a um exterior, digo, a uma cena fora dali, daquela casa onde um homem não pode amá-la, pois quem responde é um filho endividado com seu pai. Aquele velho senil é o que resiste, é o resto que chega a chamar por Simin, que pede o jornal que não pode ler e que se urina. Alguém que impõe com sua presença e silêncio ser cuidado pelo outro, é puro resto. Mas, Nader encontra naquele quase nada de existência, a consistência de seu fantasma. O pai pode não saber que ele é seu filho, mas Nader sabe que aquele homem é seu pai. Carrega uma dívida, por isso não pode seguir com Simin, não pode fazer dela sua mulher, é isso que ela pede a ele. Simin sabe que nenhum Deus pode garantir isso.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">Termeh (Sarina Farhadi), a filha adolescente do casal separado, fica com o pai, parece tentar salvá-lo de seus apuros. A jovem começa a perceber as dificuldades desse homem que é seu pai. Ela tentará agir na tentativa de ampará-lo. Há uma subversão da ordem das coisas quando Simin vai embora. A impotência de Nader faz com que Termeh passe da posição de filha a ser cuidada para outra em que sustenta o pai, tentativa de velar sua impotência.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">A situação desencadeada na trama que levará os dois homens (Nader e o marido da governanta) ao tribunal descortinará as precárias condições dos mesmos. Dois homens humilhados e feridos em sua honra. Um por ter sido abandonado pela esposa, o outro por ver a própria esposa humilhada por aquele que foi deixado, tendo a governanta aceito o trabalho em segredo para justamente livrar o marido de seus credores.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">Simin não quer a suposta verdade factual sobre o evento, ela sabe que algo da verdade está em outro lugar, ela sabe do desamparo que acometeu aqueles homens impotentes. Simin, com seu saber, quer proteger a filha da desgraça anunciada daqueles homens, pois teme que mais um ato violento venha a acontecer. Ela não espera mais que Nader possa se ocupar da posição que ela desejava para ele, a de um homem para ela. Simin deverá seguir sua vida, quer levar a filha com ela.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">Tanto a pequena menina, filha da governanta, quanto Termeh, a adolescente, sabem mais do que podem dizer, por isso elas temem dizer o que sabem. Elas sabem alguma coisa que é o obsceno entre os casais: que não há a relação sexual. Elas vão aos poucos nos revelando que sabem algo sobre isso, mesmo “sem saber”.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">Alguns não gostaram do final do filme, argumentam que não houve fim. Assim como Nader e Simin, ficamos esperando do lado de fora da sala do juiz a resposta de Termeh. O diretor usa muito bem alguns recursos do cinema, como a câmera que filma como se fossem nossos próprios olhos, a visão sofrendo a interferência do movimento dos nossos corpos, lentes que descortinam ambientes que nós mesmos penetramos, embora estejamos plantados na cadeira. Sim, ficamos esperando do lado de fora pela resposta de Termeh. Dê o seu palpite. Melhor, qual seria a sua? Até!</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-spacerun: yes;">09/02/12 </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><br />
</div>Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-35434987227145748392011-12-15T18:57:00.000-08:002011-12-15T18:57:53.085-08:00Um momento delicado entre pais e filhos<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">O final do ano letivo traz muitas alegrias e a sensação de dever cumprido para alguns, angústias e decepções para tantos outros pais e filhos. Depois do investimento financeiro e muitas preocupações, os pais esperam pelos melhores resultados escolares. Quanto às crianças e adolescentes, eles podem finalmente respirar aliviados ou carregar todo o fardo do mundo: o da reprovação. Quando um pai ou uma mãe faz uma aposta alta no filho, o que na verdade ele espera satisfazer? Qual sucesso ou fracasso está em jogo?<i style="mso-bidi-font-style: normal;"></i></span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O que você vai ser quando crescer</span></i><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">? Essa questão que atormenta um sujeito desde muito cedo é decorrente dos anseios e das expectativas dos pais. É necessário que haja investimento ou um voto amoroso lançado na direção da criança. Entretanto, ele não pode ser mortificante. Os filhos são, geralmente, investidos dos projetos narcísicos que fracassaram com seus pais. Mas, alguma coisa precisa ir além do amor devorador dos devotados genitores.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Vivemos num mundo cada vez mais competitivo e individualista. Todo esforço feito no sentido do coletivo tem como meta o sucesso pessoal e as gratificações monetárias pelo bom desempenho: proatividade e eficiência bem remunerada. Assim, “meu filho tem que me devolver cada centavo suado investido nele”. A escolha por uma boa escola se tornou um grande negócio para a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">empresa familiar</i>. E, desta maneia, nós analistas acabamos por testemunhar as consequências ou os resultados decorrentes desses riscos corridos ou, ainda, as cobranças e sintomas que se apresentam nesse imbróglio.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Do que estamos nos esquecendo? Somos hoje tão indivíduos quanto <i style="mso-bidi-font-style: normal;">amebas</i> se reproduzindo assexuadamente em série. Digo o modelo disseminando pelos ideais americanos de individualismo e sucesso: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">self made man</i>. Será que não incluímos mais a diferença? </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Steve Jobs é o primeiro grande ícone deste novo século. A sua biografia tem sido citada constantemente como fonte de inspiração para milhares de jovens em todos os continentes. Jobs não nasceu de uma reprodução assexuada, ele teve uma história. Ele foi adotado e recusou em vida a moeda de troca de sua rejeição, vocês sabem: o acesso ou ingresso na universidade. Não nascem muitos Jobs(s) com frequência, ele foi sem dúvida um caso recente de excepcionalidade; sua vida, no entanto, nos dá a ver que o sujeito é o resultado daquilo que fez com as suas condições de origem. Quero dizer, que um sujeito deve fazer valer sua pequena margem de liberdade.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">A pequena margem de liberdade é o que pode fazer a diferença entre a dívida eterna devida ao sacrifício dos pais e a possibilidade do sujeito se apropriar do que lhe foi votado como signo de amor, fazendo incluir aí seu desejo. Então, não é sem os pais, contudo, não é eternamente para eles. Essa pequena margem de liberdade conjuga criatividade, implicação e limite. Penso na maneira como um sujeito pode avançar mesmo com suas faltas. O acesso ao mundo simbólico cobra na entrada uma renúncia. É vedado o gozo ilimitado. Esse mesmo gozo ao qual teimamos em não renunciar enquanto pais. Quando compro um celular ou computador de última geração para minha filha de dez anos, por exemplo, quem eu estou gratificando? É para ela ou para meu gozo narcísico ao dotá-la de uma insígnia de valor que recobre minha falta? </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">É nesta mesma linha que se estabelece um sistema de premiações e punições. Um jogo muitas vezes perverso em que os pais franqueiam o gozo ou impingem a culpa de acordo com seus interesses mais íntimos. Contabilizar e apontar o valor total gasto em dinheiro em algum tipo de investimento educativo é, da mesma maneira, um recurso a ser posto em questão. Pois a ênfase é dada na quantia que se tornará dívida impagável, e não no voto sem garantia em que o pai empenha seu desejo sob risco. Seria melhor se pudéssemos dizer: “eu acredito que tu possas usar isso a favor do teu desejo, dos projetos que traças para tua vida”. O investimento dos pais é uma via de acesso ao desejo, não o fim.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Ah! E as tais responsabilidades do sujeito? Sim, devemos falar sobre elas. Será necessário renunciar às satisfações mais imediatas, investir numa escolha por um longo período, perseverar, falhar e insistir. O desejo não é um bem obtido por mérito, senão um constante movimento no sentido de uma escolha. O acesso ao desejo é sempre <i style="mso-bidi-font-style: normal;">não todo</i>, há um resto que resta como causa para o sujeito. As frustrações reclamadas através de buscas imediatas de compensação deverão ser tomadas como privações e limites que se colocam no caminho, nem tudo é possível. O sujeito deve se responsabilizar por seus riscos.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">O fim do ano letivo é um momento delicado entre pais e filhos.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O momento de concluir evoca o instante de olhar e o tempo para compreender. Onde há angústia há também certa pressa. Essa pressa pode nos precipitar em passagens ao ato, digo tanto nos pais quanto nos filhos. É um momento para que se possa escutar, fazer uma leitura do que ocorreu. O que está dando certo? O que não funcionou como o esperado? O que precisa mudar? O que meu filho pode dizer sobre isso? Tais perguntas exigem um tempo de elaboração.</span></span></div><div align="center" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: center; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Boas Festas e Feliz Ano Novo</span></span></div><div align="center" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: center; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Abílio Luiz Ribeiro Alves</span></span></div>Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-73695656961843214232011-11-15T15:55:00.000-08:002011-11-15T16:15:18.079-08:00A pele que habito ou a paixão que não permite ao gozo condescender ao desejo<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"> </span></span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"> O novo filme de Pedro Almodóvar foi muito bem recebido pelo público. Mas, há aquele fenômeno que se dá com sua obra: alguns detestam radicalmente tudo que ele faz. Isso torna tudo mais interessante na medida em que sua obra é polêmica, seus filmes não passam em branco, eles sempre produzem efeitos impactantes.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span><i style="mso-bidi-font-style: normal;">A pele que habito</i> é neste sentido mais ousado ainda. Baseado no livro do francês Thierry Jonquét, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Tarântula</i>, aborda temas que mexem com as emoções e valores humanos. O filme seria um prato cheio para os estudiosos da Bioética, contudo, ele toca mais o campo do inconsciente. Não é por acaso que Almodóvar alterna cenas de ficção científica com aquelas que citam a obra de Louise Bourgeois. O corpo pode ser abordado em sua dimensão real, como objeto de estudo e manipulação da ciência, mas também afetado pelo atravessamento traumático do significante, o corpo submetido à experiência com a linguagem. Ser homem ou ser mulher não se reduz a uma realidade anatômica, passa necessariamente por uma enunciação desejante em sua relação ao significante fálico.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Se na obra de Bourgeois nos deparamos com “o retorno do desejo proibido”, com este novo Almodóvar vislumbramos a incidência de um gozo jamais interditado. A tragédia está decisivamente presente na vida do renomado cirurgião Robert Ledgard (Antonio Banderas). Ele se vale de um saber, ele opera muito bem com aquilo que seu conhecimento acadêmico permitiu. Entretanto, ele não é propriamente um cientista, pois é agido pela paixão de um gozo que não se quer perdido. O verdadeiro cientista é movido por uma perda, uma falta de saber, Robert, ao contrário, age obcecado pela paixão do gozo não interditado.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Nomeio este gozo como incestuoso, é um filme sobre o gozo perverso, sobre o incesto, embora Almodóvar não necessite nomeá-lo desta maneira. Robert, na busca enlouquecida por seu gozo que não se quer perdido, visa reintegrar a mulher e a filha perdida com o pretexto de uma vingança. Ele renega no apelo desesperado de Marília (Marisa Paredes) o<i style="mso-bidi-font-style: normal;"> não</i> de uma mãe que estaria finalmente castrada, não fosse a prevalência de sua lei perversa: _ “Mata ela”. Robert não sabe a verdade sobre sua mãe e seu irmão. Ou melhor, é permitido que saiba sem saber, digo, com o seu: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">mas mesmo assim...</i> . A devoção de Marília é muito suspeita. A perversão é o véu sobre o pecado do pai e sobre o gozo não interditado na mãe. O irmão leopardo (é um leopardo mesmo?), figura surreal e genialmente introduzida por Almodóvar, é a personificação da perversão presente nessa linhagem.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Vera, interpretada pela linda (lindíssima) atriz Elena Anaya, é um Frankstein contemporâneo, a transexualidade e a pele que habita fazem dela a criatura de seu criador. Ela parece ter esquecido seu passado, ela reconta sua tragédia nas peças que passa a criar inspiradas na grande artista já citada, Louise Bourgeois. Como em todo grande clássico, há o momento em que a criatura se atormenta, ela estranha, ela percebe algo de sua condição monstruosa. Acontece, que diferentemente de seu criador, ela pôde reconhecer sua história e sua identidade através de uma nomeação que estava recalcada, nunca foracluída nem renegada, o nome e a ausência reclamados por uma mãe faltosa. </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Vera, não mais alienada à paixão do gozo não interditado de seu algoz, devolve ao médico, antes de partir, seu destino trágico. Almodóvar nos demonstra que o herói trágico é sempre clássico, pois sempre cumpre o destino inexorável de sua condição humana. A ciência pode evoluir, mas o humano sempre estará assujeitado a sua divisão de ser falante.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Bravo Almodóvar!</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"></span><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"> 15/11/2011</span><span style="font-size: 14pt; line-height: 115%;"></span></span></div></div>Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-27938433314006552272011-11-10T17:23:00.000-08:002011-11-10T17:25:54.425-08:00A graça do palhaço é fazer rir com seu vazio<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"> O Palhaço</span></i><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">, filme de Selton Mello, é tão simples quanto belo, uma poesia de cores e poeira na película mágica do cinema. Não sei como é essa coisa de dirigir e atuar ao mesmo tempo, mas Selton obteve excelentes resultados se dividindo nas duas funções. Elogios não só à direção, mas também à fotografia bem integrada aos cenários, aos figurinos, à trilha sonora e às ótimas participações dos atores convidados.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Benjamim dá vida e graça ao palhaço Pangaré. Ofício que ele aprendeu com seu pai, o palhaço Puro Sangue. Apesar de arrancar risos da platéia, é justamente esse puro sangue circense ou seu destino de palhaço que ele põe em questão. A vida não é engraçada para Benjamim_ “Quem é que vai fazê-lo rir”? Ele está cansado de tudo aquilo. Carrega o circo na boléia do caminhão e o peso do palhaço em seus ombros. Benjamim tem em seu bolso poucos trocados e uma amassada certidão de nascimento.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Ele tem certa obsessão por ventiladores, seu sonho de consumo é comprar um. Que desejo é esse o de ventiladores? Contudo, este é um desejo de Benjamim que o separa de seu personagem Pangaré.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>E se deixar essa vida para trás? Quem sabe começar uma nova? Ele tira um documento de identidade, consegue um emprego sério e vai atrás da moça que conheceu depois do espetáculo. Poderá ele mudar seu destino? Poderá prescindir da arte de fazer rir com o vazio?</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Vale conferir!</span><span style="mso-tab-count: 1;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-spacerun: yes;"></span></span>10/11/11</span></div>Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-91185507323382121332011-10-23T08:03:00.000-07:002011-10-23T08:03:32.243-07:00Da descoberta à dor do amor eterno<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">O cenário é a China em plena Revolução Cultural. O amor está além das ideologias; ele brota até mesmo em tempos e terrenos improváveis. Havia uma árvore no meio do caminho, no meio do caminho havia uma árvore. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A</i> <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Árvore do amor</i> é o belíssimo novo filme de Zhang Yimou. A fotografia é a personagem principal, ela oferece aos protagonistas os poéticos e lindos cenários que contam a história sobre a descoberta e o destino fatal do amar. </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O espinheiro branco que dá flores vermelhas é a metáfora da descoberta do amor. Sun, um jovem geólogo, e Jing, uma professorinha, fazem da árvore a metáfora do amor impossível de se realizar. Jing, por ser tão jovem, deverá aguardar para poder viver seu amor, Sun, obediente e apaixonado, promete esperar. Da mesma maneira, devem esperar a época em que o espinheiro faz brotar suas flores vermelhas. Então, eles juram vê-las um dia juntos. É ainda uma metáfora sobre a consumação do amor no ato sexual.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Enquanto aguardam, o jovem geólogo oferece a sua amada algumas descobertas e, sobretudo, a sua delicadeza. Sun é um jovem que sabe amar uma mulher. Ele renuncia à urgência para poder colher o amor em seu melhor momento, para que esse se torne eterno. Jing é filha de um prisioneiro político do regime comunista. Por isso ela vive austeramente para reparar a falta paterna. É Sun quem a ensina a extrair do amor seu sumo mais precioso, o desejo pela vida. Sun, num dado momento, sabe que não viverá para consumar o amor no encontro dos corpos no sexo. Ele sabe também que não deve colher o fruto antes de seu tempo. Assim, concede à Jing o seu amor eterno: _ “Se você viver, viverei em você. Se morrer, eu morro. Entende”?</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">O diretor anuncia no início tratar-se de uma história real. É, na verdade, uma fábula sobre o real do amor, sobre aquilo que não se pode realizar, o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">UM</i> do amor. A tragédia vivida pelos jovens personagens é o destino de todos nós no amor, o de não realizar o<i style="mso-bidi-font-style: normal;"> UM</i>. O espinheiro branco que dá flores vermelhas lá espera pelo único momento que não pode se dar, a realização do amor. Sun deu a Jing o melhor que podia lhe dar: apesar da dor, uma razão para desejar e seguir sua vida.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">23/10/2011 <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span><span style="font-size: 14pt; line-height: 115%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"></span></span></div>Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-52193525780765519852011-10-15T05:30:00.000-07:002011-10-23T08:10:41.991-07:00Recomendo<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Vocês se lembram do escritor americano Michael Cunningham, o autor de As Horas? Seu romance virou filme sobre a escritora Virginia Woolf (direção de Stehen Daldry).</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Pois é, A Companhia Das Letras lançou aqui seu romance mais recente: "Ao anoitecer". A trama gira em torno de um personagem vivendo a crise dos quarenta. Apresso-me em dizer-lhes que não é o meu caso, pois eu estou mais perto da crise dos cinquenta, mas vestindo manequim de trinta e cinco! RsRs...</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Contudo, recomendo o livro para ambos os sexos e várias idades. Cunningham tem seu estilo, mas é certo que soube fazer com o que bebeu da fonte de Woolf. Eis um trecho:</span></div><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><div style="text-align: justify;"><br />
</div></span><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">"Ambos hesitam. Será que ela também gostaria de ir dormir direto? Talvez. Um está sempre beijando, o outro sempre sendo beijado. Obrigado, Proust. Ele sabe que ela ficaria bem contente de deixar o sexo de lado. Por que ela está esfriando com ele? Tudo bem, ele está com uns quilos a mais na barriga, e, claro, sua bunda não está mais voltada para o norte. E se ela estiver de fato deixando de amá-lo? Seria trágico, ou libertador? Como seria se ela o libertasse?"</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Deixo uma provocação:</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">São as mulheres que abandonam seus homens quanto ao amor e ao sexo os oferecendo a outras, ou são esses que se fazem abandonar?</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Até breve!</span></div>Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-60602520670321410882011-10-12T17:04:00.000-07:002011-10-12T17:47:23.603-07:00To Jobs or not to Jobs...<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">As velas virtuais acessas nos vários cantos do mundo em homenagem a Steve Jobs talvez nos indique que esta é a primeira grande perda da juventude de hoje. Ele era uma espécie de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">POP Star</i>, um ícone desta nova geração de inteligências humanas. Por que tememos tanto a tecnologia? Falo por mim, pela minha resistência a olhar um mundo em que a exuberância das imagens e a velocidade da informação predominam. Jobs, mesmo com sua morte precoce, foi além de seu tempo. Já deve estar trocando ideias com Stanley Kubrick sobre os destinos do homem neste século. Contudo, dois incríveis curiosos vieram se juntar a eles: Einstein e Freud. Esses últimos não poderiam perder tal discussão.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Enquanto isso, aqui embaixo, dialogo com Jabor. O Jabor de meu jornal matinal é uma espécie de interlocutor privado, sucessor do meu “amigo invisível” de minha infância. “Steve Jobs criou uma ‘ciência alegre’”, escreveu ele ontem no Globo. Enfim, há ciência num mundo dominado por enunciados pseudocientíficos.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Demorei a perceber que durante muito tempo me comportei como um religioso ortodoxo que trata a novidade como coisa do diabo. Hoje, escrevo no meu impensável <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Netbook</i>. Jabor cita Marx: “O capital não cria apenas objetos para os ‘sujeitos’ consumirem, mas cria também ‘sujeitos’ para os objetos de consumo”. Jobs reinventou o consumo, as velas virtuais acessas em iPads nos demonstram isso: as imagens possíveis por uma tecnologia digital expressam um sentimento tão antigo, como o da dor e da comoção diante de uma perda.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Nossos filhos não querem destruir os museus, embora eles (os museus) exibam o domínio, muitas vezes violento, de alguns povos sobre outros. Nossos filhos não querem apagar o passado. Eles querem chegar lá de outra maneira, como no filme <i style="mso-bidi-font-style: normal;">De volta para o futuro</i>. Eles contam com uma tecnologia fabulosa que os levarão além de nosso sistema solar. Mas, como Kubrick acabou de afirmar a Jobs, soube pelo <i style="mso-bidi-font-style: normal;">facebook</i>, o homem vai evoluir mantendo tão somente seus impulsos mais primitivos. Einstein encaminhou, por sua vez, um MSN revelando que foi Freud quem soprou no ouvido do cineasta.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Meu filho não conheceria o Kubrick de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O Iluminado</i>, Charlie Chaplin, Hitchcock, Beatles, Mutantes e Novos Baianos se não fosse através da tecnologia desenvolvida por Jobs: seus iPods, iPhones e iPads. A tecnologia, utilizada pelo meu filho, o aproximou do mundo de minha própria adolescência. Ao contrário de sucatear a estética de meu tempo, a tecnologia desenvolvida por Jobs a valorizou.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Então, por que tememos a tecnologia? Nós, psicanalistas, falamos tanto da <i style="mso-bidi-font-style: normal;">economia do gozo</i>; digo o consumo instantâneo de tudo que produz não prazer, mas, “mais além de prazer”. Entretanto, estamos remetidos nostalgicamente a um suposto tempo em que a Lei sustentada pela figura do Pai vigorava de forma ideal. A lógica que deu origem aos computadores é a mesma que está em jogo para a Psicanálise, nos demonstra Lacan. Trata-se da lógica binária do zero e do um. Ou a função opera ou ela não opera. E os elementos estruturais presentes nessa função são: o Pai, o significante falo e a castração. A função é necessária, mesmo assim, não garante, ela é “não toda”. Não por acaso, os matemáticos criaram os números reais. Jobs criou sua ‘ciência alegre’ na mínima liberdade dos milésimos que desmentem os números inteiros. Com Jobs teremos deixado de ser cartesianos para sermos mais inventivos? To <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Jobs</i> or not to <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Jobs</i>...</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="line-height: 115%;"></span><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">12/10/2011</span></div>Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-90474807543751053332011-10-12T17:02:00.000-07:002011-10-12T17:48:02.831-07:00Entre a velha amizade e o velho futebol<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Hoje é domingo, dia de Fla-Flu no Engenhão_ saudades do Maracanã! Seja qual for o resultado do jogo, deveremos acordar com más notícias sobre confronto e violência entre torcedores. Se o futebol era coisa de homem em tempos remotos, era porque não era coisa de covardes como vemos atualmente. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Esta manhã no supermercado fui testemunha de uma cena cada vez mais rara. No caixa havia dois rapazes, cada um vestindo o manto sagrado de seu time: Flamengo e Fluminense. No carrinho de compras, tudo que era necessário para um bom e tradicional churrasco de domingo. Não resisti à bela cena, então comentei com eles que mereciam a primeira página do Globo. Um deles observou:_ “É, mas quando a bola tá rolando o ‘bicho pega’. Vale xingar o time do outro e reclamar do juiz. Mas, quando há o apito final o que valeu mesmo é o encontro de amigos”. O outro concorda e acrescenta:_ “A gente sempre recomenda para quem põe o futebol na frente da amizade que não vá ao churrasco”.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Ora, esses caras reinventaram a amizade e o futebol. Ninguém vai ao supermercado com a camisa de seu time se não leva muito a sério e se não é muito apaixonado por futebol. Mas a velha amizade é algo sagrado. Certamente os deuses dos gramados concederão a essa turma um grande espetáculo, tudo em nome do maior esporte do mundo e da instituição mais valiosa: a amizade. É claro que há a rivalidade, os ânimos quentes, como eles mesmos disseram, contudo, há algo maior que não vale a tragédia que lemos nos jornais depois de grandes clássicos. Há a celebração da força, da beleza do futebol que tal como a vida nos faz pulsar e nos emocionar. Ary Barroso e Nelson Rodrigues estarão nesse churrasco. Amém!</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="line-height: 115%;"></span><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">09/10/2011<span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></span></div>Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-81202874954420050982011-10-12T16:57:00.000-07:002011-10-12T17:49:32.644-07:00Meia noite em Paris ou sobre o poema filmado<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Se um poema pode ser filmado, este é o caso de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Meia noite em</i> <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Paris</i>, a maravilha mais recente apresentada por Woody Allen. É isso mesmo, não sou crítico de arte, sou espectador, por isso não economizo nos adjetivos e superlativos quando os uso. Woody Allen é um gênio, um artista que por ter feito tantos anos de psicanálise não tem pudor em abordar a neurose ou a nossa psicopatologia da vida quotidiana. Ele faz isso há muitos anos, vem fazendo de diferentes maneiras sempre geniais. Costumo dizer que ele constituiu sua própria teoria sobre o sujeito.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Um verdadeiro artista sempre é capaz de nos surpreender, costuma estar mais perto do inconsciente, como nos adiantou Freud: “O artista precede o psicanalista”. Qual foi para mim o ponto de captura, a abertura que me fez embarcar na trama? Woody Allen foi preciso na combinação de dois ingredientes fundamentais nesta história: melancolia e humor. A medida certa acarretou o seguinte resultado: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">melancolia + humor = delicadeza</i>.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">A delicadeza é o efeito poético desse filme delicioso que nos brinda em sua abertura com tomadas inesquecíveis da sempre eterna e belíssima Paris. Mesmo que alguns críticos rebatam argumentando tratar de cinema turístico. Cabe ainda mencionar a linda trilha sonora que ilumina as cenas.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Woody Allen está diferente. Havia algo de rancor, frustração, ressentimento e descrença em suas receitas de humor. Ele sempre conseguiu resultados incríveis, sem dúvida. Entretanto, seu humor acarretava outras possibilidades de sentimentos, como por exemplo, a sensação de sermos ridículos, risíveis e mesquinhos em nossa existência.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Em tempos sem luto, falar de melancolia é muito delicado. A nostalgia e a saudade por aquilo que nunca vivemos, digamos a realização do ideal do Outro, nos traz uma profunda dor de existir. A nostalgia é a dor que não existe, por isso mesmo a mais lancinante quanto nos chega ao coração, em nossos dias sem cor. Falar do que não existe, eis o desafio de Woody Allen.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Mas sua genialidade se faz presente ao nos brindar com a personagem que a personifica: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Adriana</i> (Marion Cotillard). Adriana é linda e sensual, uma combinação ou parceria entre a nostalgia e o belo. O encontro entre <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Gil</i> (Owen Wilson) e <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Adriana</i> é a interpretação da forma mais freudiana, como se ocorresse num sonho, do sentimento que habita o perdido roteirista, a nostalgia de seu desejo. O sofredor nostálgico guarda sempre uma relação anacrônica com seu desejo. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Gil</i> tem saudades do que ainda não viveu, daquilo que não pode saber por estar alienado ao tempo do Outro.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="line-height: 115%;">Gil</span></i><span style="line-height: 115%;"> é desses sujeitos que se deixa conduzir pela demanda do Outro. Escreve roteiros competentes para filmes de sucesso nos padrões de Hollywood e dos quais está farto. Vai se casar com <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ines </i>(Rachel McAdans) que parece querer ditar seus passos. Está envolvido com o projeto de um romance, algo ousado para ele, porém está inseguro e vacilante, a própria noiva não lhe põe muita fé.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">O desorientado personagem acabará por embarcar num calhambeque que lhe surge na batida da meia noite. Perplexo descobrirá que seu destino foi a Paris dos “Anos de Ouro”, dos anos <i style="mso-bidi-font-style: normal;">20</i>. Encontra-se pessoalmente com ícones daquela época, artistas como Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Picasso, Dali, Buñuel, Gertrude Stein e tantos outros. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Este é um modo de Woody Allen nos fazer ver que<i style="mso-bidi-font-style: normal;"> Gil</i> está alienado ao tempo do Outro, esses “Anos Dourados” da nostalgia de nosso personagem virado para o passado idealizado e não vivido, assim ele se lamenta: _ “Nasci no tempo e lugar errado”!</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">É nesta errância onírica, dado que ele dorme em sua vida o seu sono, que ele encontra <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Adriana</i>, a jovem estilista que gostaria de ter vivido na <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Belle Epoque</i>. Ela acende em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Gil</i> o seu desejo, ela o seduz, ela que é a personificação bela de sua nostalgia.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Woody Allen é um mestre ao conjugar nessa aventura onírica a melancolia e o humor, tudo é tão delicado que nós, espectadores, não percebemos como passamos do sorriso suave para os olhos levemente molhados. Não se trata exatamente do cômico, do caricato, mas de um nos fazer ver o tropeço do sujeito ao topar com seu desejo que ali se apresenta e ele não o vê, e se o vê não sabe como agir. Aqui, cabe o elogio ao desempenho de Owen Wilson ao dar vida ao perdido <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Gil</i>, que entre a bebedeira e seu sono melancólico protagoniza cenas e situações pitorescas. Não interpreta um bufão, não é o caso. Há uma medida entre o que seria o drama e a comédia do sujeito, o diretor nos faz entrever o pitoresco da relação do sujeito com sua falta_ o nascimento do desejo. O humor é delicado e não burlesco.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Segundo Freud, ao contrário da melancolia que apresenta o eu (moi) em ruína, o humor o eleva, fazendo o narcisismo triunfar. Ele insiste que no humor o eu se recusa a ser atingido pelas provocações da realidade. Cita a anedota do preso que vai ser executado na manhã de uma segunda-feira: “A semana está começando otimamente”. Neste caso o humor não é resignado, senão rebelde. Além do triunfo do ego, obedece ao princípio do prazer. Assim, evita-se o sofrimento e se produz prazer. Acredito, contudo, que na criação humorística do artista se trata exatamente em abrir mão do narcisismo, da supervalorização do eu. O artista faz da dor narcísica a causa de sua criação, produz um efeito estético com isso. Não é o que denominamos de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">sublimação</i>?</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Teresa Palazzo Nazar, em seu livro <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O sujeito e seu texto</i> (Companhia de Freud, 2009, p.117), cita Rouanet e sua definição de shandismo: (...) “humor afável e tolerante, capaz de perdoar transgressões próprias e alheias, mas também de zombar, sem excessiva malícia, dos grandes e pequenos ridículos do mundo”.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Woody Allen nos dá a ver como se faz para chegar ao luto atravessando a nostalgia melancólica. Onde houver o luto, poderá haver o humor. Lembremos Lacan ao propor no final de análise não uma resignação melancólica, mas um entusiasmo, um saber fazer com humor sobre nossa perda, nossa paga.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Enfim,<i style="mso-bidi-font-style: normal;"> Gil</i> se encontra, perdido que estava no tempo do Outro, à espera da demanda e do reconhecimento do Outro. Vai permanecer em Paris, vai concluir seu romance, sem garantias. Termina o noivado, permite abandonar<i style="mso-bidi-font-style: normal;"> Adriana</i> no lugar ideal de sua nostalgia, mas reencontra no real de seu presente aquela que seria a protagonista de seu romance: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">a garota do antiquário</i>, aquela que toca os discos de Cole Porter no gramofone: “Let’s do it, let’s fall in Love!” (... Em Paris, é claro).</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>05/07/2011</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 14pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 14pt; line-height: 115%;"><span style="mso-spacerun: yes;"><span style="font-family: Calibri;"> </span></span></span></div>Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-8395745770589266107.post-61685363491006279512011-10-12T16:55:00.000-07:002011-10-12T17:50:03.888-07:00O Cisne Negro ou a Devastação Feminina<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="line-height: 115%;">O Lago dos Cisnes</span></i><span style="line-height: 115%;"> de Tchaikovsky está para o balé, assim como <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Hamlet </i>de Shakespeare está para o teatro. Obras que desafiam atores e bailarinos na difícil arte de conciliar o belo com a tragédia humana. Este é o ofício do artista, sublimar o trágico da experiência humana. O filme de Darren Aronofsky é imperdível, pois transporta o clássico para um tempo da cultura politicamente correta da reciclagem. A condição trágica da existência humana é tema desde os gregos. Muitos tentam pasteurizar o filme de Aronofsky reduzindo a fita à cena de lesbianismo que é bela e excitante, porém muito angustiante para ser meramente erótica.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Nina (Natalie Portman) é uma jovem bailarina obcecada pelo papel principal e pela oportunidade de atingir a perfeição. Para isso deverá interpretar o duplo papel do cisne branco e do cisne negro. A “menina meiga”, assim nomeada pelo ódio de sua mãe, é muito técnica, não deixa seus instintos dominarem seus movimentos. Se a trama se passa entre dois cisnes gêmeos (branco e negro), Nina também encontra seu duplo, Lily (Mila Kunis). Ela é fisgada e arrebatada pela imagem da outra ainda no vagão do Metrô. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Nina é uma ótima e dedicada bailarina, mas desconhece seu sexo, não sabe nada sobre seu desejo, pois é devastada pelo olhar e controle onipresente de sua mãe. O balé é até certo momento sua dívida com a genitora, uma bailarina medíocre que alega ter abandonado a dança para cuidar da filha. Nina busca realizar<i style="mso-bidi-font-style: normal;"> A</i> bailarina. Sua referência é Betty, a grande estrela da companhia, mas verá a mesma sucumbir à devastação.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Ao conhecer Lily, fica fascinada por algo que não pode reconhecer em si mesma. Estabelece com ela uma relação absolutamente especular, paranóica e erotômana. Nina é arrebatada pela figura onipresente de Lily.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">O diretor da companhia (Vincent Cassel) é o personagem que alimenta a rivalidade dual entre as bailarinas na medida em que elas disputam o seu reconhecimento. Ele sabe provocá-las com isso, aliás, nisto consiste o próprio enredo da trama de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O Lago dos Cisnes</i>, a cobiça e disputa pelo objeto amoroso. Ele pede a Nina aquilo que ela não pode lhe dar, ele pede mais e mais, no sentido mesmo de um gozo o qual ela desconhece. Ele a conduz aos limites do que sua mente e seu corpo podem suportar.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Nina está presa ao corpo da bailarina como a menina vive no corpo do cisne. Aronofsky, em seu olhar de diretor, nos faz testemunhar o nascimento da personagem, arrancado do corpo da bailarina, contudo não apenas isto. Ele também nos escancara a condição terrível de Nina, ela está submetida em seu corpo ao olhar voraz e gozo da mãe, ela é um objeto da mãe. Lily, seu duplo especular, lhe permite vislumbrar outra possibilidade, entretanto, Nina em sua luta mortal com o Outro, vive tal situação na lógica paranóica: ou ela me ama ou ela me odeia. Tem a certeza de que todos os gestos de Lily estão referidos ela. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Nina faz suplência ao mestre. Porém, a atitude do diretor é perversa, ele também a coloca a serviço de seu gozo. Sem saída, ela encontra no suicídio do cisne seu próprio fim, o desempenho perfeito para a morte, por não poder saber sobre seu sexo e seu desejo, só lhe resta responder em ato.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; line-height: 115%;">Aí está a loucura, a estética do olhar e a ousadia de Aronofsky, numa inesquecível e brilhante interpretação de Natalie Portman.</span><br />
<span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><br />
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<span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">05/02/2011</span></div>Abílio Ribeiro Alveshttp://www.blogger.com/profile/00326694901554089204noreply@blogger.com2